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Freud e o fetichismo

Para discutir o que a psicanálise pode trazer de contribuição ao estudo do masoquismo, Freud recorre à História. Ele escreve: "A História que nos traz a crença na bondade da natureza humana é uma dessas perniciosas ilusões com as quais a humanidade espera seja sua vida embelezada e facilitada, enquanto, na realidade, só causam prejuízo" (1974[ 1932/33], p. 130). O fenômeno do masoquismo bem o comprova, por estar regido pela premência de algo que insiste na revelação do objeto no desejo.

Freud evolui da noção de fetichismo, até então instaurado no campo das perversões, para concebê-lo como essencial em relação ao móvel do desejo. Vamos nos deter em suas abordagens de 1927, quando ele conceitua a divisão subjetiva - Spaltung. Interessado em abordar diretamente a questão, Freud, em "O fetichismo" (1927), dedica-se à gênese do fetiche no processo de subjetivação, que o conduz à descoberta da divisão do eu - Spaltung - inerente ao sujeito do inconsciente.

Com a psicanálise freudiana, o fetiche ganha cada vez mais um valor de substituto simbólico no complexo de castração, para além do imaginário da fenomenologia perversa. Na dialética Edipo-castração, não se trata de um fetiche qualquer, mas daquele que adquire valor a partir da castração materna: o falo. Este objeto, velador da castração da mãe, é erigido como substituto desta falta. Embora referido também à condição da ereção do desejo masculino, ele adquire valor significante para todo sujeito que sofreu a partição e a perda, que vai se repercutir no corpo sexuado.

No decorrer de toda sua obra, Freud percorre o fetichismo considerando-o desde o substituto do falo imaginário e ausente da castração materna, até formalizá-lo sob o aspecto simbólico e enigmático referido ao equívoco entre palavras, cujo modelo destacamos do equívoco significante, exemplificado em seu paciente poliglota: "O fetiche cuja origem se encontra na primeira infância não devia ser compreendido em alemão, mas em inglês; o 'brilho sobre o nariz' era de fato um 'olhar sobre o nariz' (1974[ 1927], p. 179).

Com efeito, na língua alemã, brilho se diz Glanz; na língua inglesa, glance se refere ao olhar. Esse paciente de Freud, cuja língua materna era o alemão, mas que vivera os primeiros anos de sua vida sob a influência da língua inglesa, havia elegido como fetiche um "brilho no nariz", tornando-o equivalente ao "olhar" endereçado ao insuportável da castração feminina. O nariz é por ele instaurado como símbolo do pênis materno ausente, ou seja, da falta, da castração materna. Ele inscreve o nariz - suporte material e escolha privilegiada - sobre a última imagem que antecede a visão da castração materna, sobre a qual o olhar o fixou e da qual ele se desloca, utilizando-se do fetiche. O brilho no nariz cobre e, ao mesmo tempo, desvela o que esconde: o sexo feminino desfalicizado.

O "brilho no nariz" se torna uma lembrança encobridora que retorna, por deslocamento, a partir do "olhar no nariz", mantendo o real insuportável da castração materna, no recalque. O brilho erigido como fetiche, como diz Freud, "os outros não podem perceber". Este ganho, inserido na intimidade do segredo, torna-se a condição de sua prática sexual, por diminuir seus esforços na economia de sua sexualidade singular. Seu valor vem ocupar o lugar da não-relação sexual.

Evocando um rastro de gozo, o fetiche vem ocupar o lugar do que se destaca da castração materna para fazer o inconsciente funcionar. O que é da ordem da linguagem insiste na repetição inconsciente, até produzir uma perda que instaura um lugar vazio na existência, que insiste em se desvelar. Neste lugar vazio, o fetiche eqüivale a um mais-de-gozo e uma positivação fálica - já que o falo vale pela sua ausência -, ao mesmo tempo em que, como excesso de gozo, evoca uma espoliação e perda. O objeto-dejeto, efeito da castração materna, "toma corpo" no fetiche, insinuando-se nos signos do desejo (Lacan, 1992[ 1969/70], p. 117), para permitir a substituição dos objetos por outros com valores equivalentes de gozo. Isto somente é possível a partir da lei de interdição, lei edípica, instaurada ao gozo "todo" sonhado com a mãe.

O estudo freudiano dos desvios em relação ao objeto demonstra a dissociação entre a pulsão sexual e o objeto (Freud, 1974[ 1905], p. 136). A pulsão não cessa de insistir na busca de satisfação. Mas o que satisfaz a pulsão se os objetos podem ser os mais variados? O que a satisfaz se originalmente o objeto é desde sempre perdido? Na subjetividade e na sexualidade, o fetiche se torna um objeto velador e substituto da castração da mãe fálica, adquirindo um valor de gozo ao recobrir com seu brilho uma perda inaugural.

Para Freud, o fetiche, ao qual este sujeito se identifica, é correlato ao falo materno. Ele é erigido para facilitar a satisfação sexual ao se constituir em um "monumento", estigma indelével da castração materna. O fetiche tampona a falta do Outro, constituindo a mãe "toda" e imaginarizando-a em mãe fálica. O fetiche, então, se torna o objeto que simultaneamente inscreve a afirmação e a negação da castração materna, para tornar as mulheres sexualmente acessíveis ao desejo masculino. Ele vela e desvela a significação do falo, ao assumir a condição de ereção do desejo masculino. E dessa forma que o fetiche funciona, segundo Lacan, como objeto a, causa e condição de desejo. Referindo-se a este aspecto, Lacan destaca o objeto o chicote, persistindo como significante, índice do gozo inaudito, "a ponto de se tornar o pivô, [...] quase o modelo da relação com o desejo do Outro" (1999[1957/58], p. 252).

Em "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", Freud afirma:

Certo grau de fetichismo está habitualmente presente no amor normal, especialmente naqueles estágios em que o objetivo sexual normal parece inatingível ou sua consumação é impedida. [...]. A situação só se torna patológica quando o anseio pelo fetiche passa além do ponto em que é meramente uma condição necessária ligada ao objeto sexual e efetivamente toma o lugar do objetivo normal, e, mais, quando o fetiche se desliga de um determinado indivíduo e se transforma no único objeto sexual. (1974[1905], p. 155)

Ao se aprofundar nas modalidades de escolha de objeto de satisfação pulsional, determinante da posição do sujeito na fantasia, na clivagem do "eu", nos tipos de defesa escolhidos pelo sujeito diante da castração (recalque ou desmentido), Freud caminha, enfim, na distinção entre as perversões propriamente ditas e os traços perversos da fantasia.

A pulsão, como força e impulsão instintiva, considerada uma unidade, cai por terra para ser considerada em sua decomposição, em elementos, ou seja, como pulsões parciais que se conjugam, compõem-se ou fusionam-se. Organizadas por algo exterior ao trajeto pulsional, ou seja, pela fantasia, Freud nomeará as pulsões parciais em função de momentos psíquicos lógicos: de organização oral, anal e, finalmente, a partir de 1923, acrescenta o fálico. Este último será determinante para a estrutura perversa propriamente dita, quando o primado do falo, resultante do complexo de Édipo para os dois sexos, fixar-se em exclusividade no falo-fetiche.

Se não há objeto predeterminado para satisfazer a pulsão, há, no entanto, algo que sustenta e fornece as balizas para o desejo e o agencia na busca de satisfação: a fantasia, edificada para responder ao enigma edípico. Nela, encontramos a expressão de pulsões descritas como pervertidas, no mais amplo sentido do termo, ou seja, subvertendo o sujeito.

A partir de 1923, em "Organização genital infantil", Freud retomará a noção de fetiche, tornando-o equivalente ao falo, positivando-o como recurso para lidar com o complexo de castração. Em 1927, em "O fetichismo", ele o aborda no lugar da estrutura subjetiva, da Spaltung, onde pode ser erigido imaginariamente ou traduzido nos equívocos da língua. Segundo a leitura lacaniana, o falo se estenderá do registro imaginário ao objeto erigido simbolicamente, como substituto do gozo faltante decorrente da castração materna, ou seja, passando a ser o significante do desejo materno.

Lacan, por sua vez, a partir dos anos 1970, passa a trabalhar o "campo dos gozos" - gozo fálico, gozo do Outro, Outro gozo -, sendo o falo abordado em seu aspecto de menos-Um, signo do gozo in-dizível, que reflete o abismo do Outro. No encontro entre os sexos, o falo pode ser considerado correlato a um significante forcluído -termo utilizado por Lacan para se referir à Verwerfung freudiana - do simbólico e que retorna no real do gozo sexual. A inscrição de gozo como sexual se torna solidário ao semblante, ao simulacro do gozo indizível, à medida que este insiste no âmago do ser e do qual apenas um rastro ressoa no corpo. Para que o gozo possa ser dito sexual deve estar coordenado aos semblantes. Para Lacan, o que conta na hora de se dizer homem ou mulher são os semblantes fálicos nas diferentes modalidades masculina e feminina utilizadas para temperar o gozo pulsional.

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