A palavra fetiche adquiriu múltiplos significados, desde aquele antropológico e religioso, como os missionários classificavam os ídolos de madeira e barro adorados por tribos africanas, até o conceito de fetiche da mercadoria, criado pelo filósofo Karl Marx, para determinar a alienação do operário em relação ao produto por ele fabricado. Em 1887, a palavra fetiche aparece pela primeira vez como conceito erótico, citado por Alfred Binet, eu ensaio "Le fetichisme dans l'amour".
O fetiche seria então a qualidade que determinado objeto ou parte do corpo humano adquire, além de sua função original, provocando prazer durante o intercurso sexual, em suas preliminares ou ainda fora dele. A gama de fetiches conhecidos é enorme, os óbvios são os sapatos de salto alto, muito fino, lingeries pretas, calcinhas de renda, trajes de couro, espartilhos e peles, para citar alguns. O sexólogo do século XIX Richard von Krafftting, criador do termo sadismo, alertava que o fetichismo se torna patologia quando o detalhe é preponderante.
O fetiche substitui a pessoa como objeto de amor. O fetichista não sente atração por uma mulher como um todo, mas por uma parte dela ou por um objeto relacionado a ela. São indivíduos que utilizam objetos inanimados - sapatos, pele, couro, chapéu, luva, calcinha, renda - ou se ligam a uma determinada parte do corpo - seios, pés, cabelo, nádegas, umbigo - para obter satisfação sexual.
Sem dúvida, em graus variados, todos são fetichistas.
É comum sentir atração por determinado estilo de roupa ou por um atributo físico específico. A questão é que o fetichista não obtém prazer sexual, ou seja, não consegue experimentar orgasmos sem a presença do seu fetiche.
Não é raro que as peças de roupa da coleção de um fetichista sejam obtidas por roubo. É conhecido o caso de um homem de 27 anos que telefonava para mulheres, se apresentando como Dr. Freeman e perguntando-Ihes sobre sua vida sexual. Pedia-Ihes então que lhe trouxessem a própria calcinha e a da mãe, sujas de menstruação ou com sinais de masturbação com o dedo. Para grande parte dos fetichistas, as peças de vestuário têm que ter sido usadas anteriormente.
O prazer sexual, geralmente, é proporcionado pela masturbação solitária com essas peças de roupa, na medida em que ele não necessita da presença de outra pessoa.
Para todos os gostos
Norte-americanos são conhecidos pela atração por seios volumosos. A bunda, no Brasil, é a campeã absoluta das preferências. Ter preferência por uma parte do corpo da mulher ou sentir grande atração vendo-a usar determinada peça de roupa é natural. A questão é que os homens fetichistas - praticamente não existem mulheres fetichistas - não se sentem atraídos pelo corpo da parceira como um todo; o interesse fica obsessivamente fixado em determinado aspecto ou então num objeto.
Qualquer coisa pode vir a ser um fetiche sexual. Claro que alguns são mais comuns, outros mais raros, como o fetiche por u nhas ou por preservativos usados. Um fetiche bastante curioso é o pigmalionismo, que é a atração sexual por estátuas. Na Sibéria foi registrado um tipo de pigmalionismo bem esquisito. Homens que dormem com pedras e as chamam de suas esposas.
Em alguns casos, a parte do corpo ou objeto desperta o desejo e o homem realiza o ato sexual com a mulher. Em outros, o homem não consegue ter prazer sexual se não estiver com seu fetiche. E, às vezes, basta a contemplação deles para a obtenção do orgasmo.
Geografia do fetiche
O fetichismo por uma parte do corpo inclui seios, nádegas, pés, joelhos, umbigo.
Mas existem estranhezas. Em sociedades da África e do Pacífico os pequenos lábios da vagina são esticados ao máximo desde a infância para ficarem o mais longo possível. Há também os fetichistas de cabelo, que são um perigo por cortarem e furtar tufos de mulheres desprevenidas.
O sexo dos materiais
Alguns fetichistas se preocupam mais com o material de que o fetiche é feito do que com a forma do objeto. O mais antigo dos materiais utilizados na vestimenta, o couro serve para a confecção de calçados, chicotes, aventais de ferreiro, jaquetas, celas, luvas e bolsas. Apenas no século XIX ele aparece pela primeira vez como elemento ligado ao fetiche. As jaquetas estão ligadas à forte mitologia erótica do nazismo, com seus oficiais e pilotos, mas também aos motociclistas e cowboys.
Marlon Brando, em O selvagem, elevou a jaqueta ao ápice da iconografia marginal cult. O sadomasoquismo também adotou o couro preto, desde as décadas de 1920 e 1930 ao ponto do clichê.
O final do século XX já considera o couro retrô, mas a moda o reinventa sempre. A estética gay, numa significativa subcultura, um tanto irônica, entronizou o couro preto e brilhante como seu modelito preferido. Se a vestimenta lembra físicos avantajados e tatuagens, também pode significar sexo bruto. Desejo por machos arrogantes.
Embora peças de roupa de couro sejam muito procuradas, o material que mais desperta interesse fetichista é a borracha. Na Europa existem várias firmas especializadas em fabricar roupas de borracha para satisfazer as fantasias dos consumidores fetichistas. As mais procuradas são, entre outras, um hábito de freira de látex preto e branco, o traje de uma aia francesa do mesmo material, com todos os acessórios - um minivestido emborrachado de cetim negro, um calção comprido de látex branco com babados, anágua, boné branco lustroso e avental com babador. Além da borracha, com seu cheiro forte e característico, no mundo contemporâneo, tecnológicos, o PVC (cloreto de polivinil) é bastante usado para a reverência e o ardor apaixonado. A modelo Naomi Campbell observou que roupas de borracha fazem chiado ao serem vestidas e necessitam do uso de talco para se ajustarem ao corpo.
As texturas íntimas
Ao beijar uma calcinha usada de mulher, transferindo para a peça de roupa o poder de satisfazer o desejo, o fetichista enaltece suas qualidades materiais, sua textura, a maciez do tecido, seu estímulo tátil, visual e olfativo. Os travestis e mulheres que se prostituem sabem disso. Colecionam essas peças de roupa íntima, cuja atração ultrapassa o fetichismo mais ortodoxo. Lingeries de renda preta são notáveis fetiches em qualquer lugar do mundo. A renda vermelha também está ligada à sensualidade e à paixão.
Durante as décadas de 1950 a 1970, o baby-doll reinou absoluto. Glamorizado até a exaustão por Hollywood, essa espécie de vestido íntimo, transparente e curtíssimo alucinou gerações de cinéfilos, voyeurs e fetichistas. A indústria vendeu milhões dessas peças de vestuário íntimo em todo o planeta. Brigitte Bardot e Marylin Monroe muitas outras estrelas, usaram a famosa lingerie. Ela chegou até a ser título de peça teatral do dramaturgo Pedro Bloch, Sociedade em baby-doll.
Os stripteases, que também foram populares no pós-guerra, entronizaram as roupas íntimas como aperitivo para a nudez que se avizinhava. Aliás, toda a encenação dos shows de mulheres tirando a roupa se dava em torno, principalmente, das próprias roupas. O interesse por roupas "de baixo", como era costume referir-se a elas em outra época, data do século XVIII e atingiu seu auge no século XIX.
O pintor francês Tolouse Lautrec deixou várias telas, nas quais aparecem prostitutas do Moulin Rouge e do Folie Berger usando calçolas de renda com laços de cetim. Aliás, as famosas dançarinas do Moulin Rouge erguiam as saias e as pernas em coreografia que punha as roupas íntimas à vista de maravilhados espectadores.
Os tecidos destas frágeis peças, próximas à genitália feminina, contribuem para a valorização do fetiche. Chiffons, cetins, sedas e náilon encantam mulheres, que recebem peças destes tecidos dos amantes, e também excitam os próprios homens, trêmulos diante de tanta insinuação de luxúria.
Os materiais eróticos variam de acordo com o desejo do fetichista, e assim como sedas e cetins agradam e atraem por serem suaves e macios, também há o efeito no sentido oposto. Materiais brutos e ásperos que agradam aos espíritos masoquistas.
O status quo fetichista
Girando na atmosfera do fashion, o fetichismo se equilibra entre o kitsch e o top para atender aos mais variados desejos. Os clubes especializados fazem parte deste patamar. Como o Manifest, de Copenhagen, Dinamarca, ou o Hanky Code, de São Francisco, Estados Unidos. A lista de oferta desses clubes é enorme e vai de vídeos hardcore à literatura erótica, passando por kits de bondage, para amarrar o parceiro.
Algumas ofertas possíveis: download de filmes sobre o tema; milhares de foto pessoas de fotos com pessoas de todo o mundo; sites de encontro para contatos anônimos; mistresses Iésbicas, prostitutas sadomasoquistas; aparelhos para tortura genital softcore; aparelhos para tortura genital hardcore; roupa íntima de mulheres menstruadas sem lavagem posterior; baganas de cigarro com marcas de batom; preservativos e tampões usados, entre outras excentricidades. Uma das revistas que representa o segmento é a dinamarquesa Senze magazine, informativo das novidades e eventos.
O fetichismo evolucionista
Estudos de sociobiologia dos anos 1990 especulam sobre as origens genéticas dos fetiches. Eles estariam relacionados à evolução e aos hormônios. A evidência seria de que não só nossos corpos, mas também nossas mentes são sexuais. Os gêneros humanos atuam de forma distinta em relação a amor e sexo. Os estudos de psicologia evolutiva (sociobiologia) indicam que nosso comportamento sexual foi se adaptando.
Homens heterossexuais teriam preferências por fêmeas curvilíneas de seios grandes porque elas indicariam maior capacidade reprodutiva. Então, os fetiches humanos seriam muito mais animais do que se poderia supor. O macho humano tomando a fêmea como "alvo" elegeria fatores fetichistas (meias, lingeries, saias curtas de estudante) como sinal de desejo recíproco e disponibilidade.
O comportamento adulterado
A pesquisa sobre patologia sexual e doenças orgânicas do cérebro foi desenvolvida, na segunda metade do século XX, por Artur Epstein. Ele estudou 13 casos de fetichismo e fetichismo/travestismo. Nove destes tinham evidência clínica de doença cerebral. Ele concluiu que pode haver predisposição genética nos traços sadomasoquistas e no travestismo.
Chris Grosselin, psicólogo e pesquisador, concorda com essas conclusões, mas acrescenta que o gosto por materiais como borracha ou couro deve ser totalmente cultural. Para ele a inclinação biológica é apenas o campo de atuação do indivíduo que pode aceitar essa variável ou não. O fetichismo seria um tipo de compulsão, uma combinação "de fios elétricos cerebrais incomuns".
Tal condicionamento aberrante incluiria "uma educação sexualmente restritiva". Afora algumas perversões de características compartilhadas pela maioria dos machos humanos, outras manifestações teriam mais de uma causa (sobredeterminadas).
Definições e imprecisões
A APA (Associação Psiquiátrica Americana), em seu Manual de diagnósticos e estatísticas, define o fetichismo como: "fantasias recorrentes e intensas, sexualmente excitantes, ímpetos e comportamentos sexuais envolvendo o uso de objetos inanimados". A definição pode ser correta, mas não alcança exatidão completa.
A lista de objetos, que já foram comprovadamente utilizados por fetichistas como excitantes para masturbação, é imensa e variada: aventais, luvas, lenços, óculos, escovas de cabelo, alfinetes de segurança, próteses (membros artificiais), lesmas e baratas, açoites, rosas, guidão de bicicleta etc.
O estudioso de moda e fetichismo David Kunzle considera todas as interpretações psicanalíticas reducionistas e repressivas. Ele prefere os depoimentos de usuários do fetichismo, embora admita que muitas vezes eles mentem a respeito de suas experiências. Cada um vê a sua postura de um ponto de vista intransferível.
Para ilustrar é interessante a descrição que a psiquiatra Joyce MacDougall faz de um paciente seu, fetichista. Ele freqüentava um bordeI em que pagava uma prostituta para açoitá-Io nos genitais. Encontrou outro cliente que também pagava pelo mesmo serviço, com a diferença de que preferia ser açoitado por rapazes. Nesse encontro, o segundo cliente sugeriu que eles tinham muito em comum. O paciente de Joyce ficou indignado:
"Nós não temos, absolutamente, nada em comum. Poxa!! Ele é um homossexual!"
Vestir ou exibir?
As relações entre moda e fetiche são tão antigas quanto a história do homem. Da cabeça aos pés, pessoas se vestem, usam adornos, calçam, se maquiam para conquistar. A moda atende a desejos eróticos de todas as ordens, desde o voyeurismo até a conquista mais direta, visando ao sexo no momento seguinte. As grifes atuam sobre esses impulsos coletivos, devidamente balizados pelos estilistas.
Marcas de roupa íntima, como a brasileira Du Loren, por exemplo, investem no erotismo do fetiche. Mary Quant criou a minissaia com os dois olhos no apelo sensual de longas pernas expostas ao desejo mundano. Gianni Versace levou a roupa íntima para as ruas, e moda se tornou sinônimo de reificação, ou seja, transformação de materiais (borracha, couro, lona) em coisas. Mas os cosméticos são ainda a forma mais comum de fetiche.
Bocas rubras, olhos profundos de sombra, pintas artificiais transformam adolescentes em meninas malvadas (bad girls). O excesso é necessário, diz Pat Califa.
Corpo e poder
A pergunta retoma, sempre: por que o fetiche, afinal?
1. Desejo de prazer; 2. Atendimento do desejo com sua realização; 3. Premiação do prazer com poder. Ou seja, desejo é igual a poder. O corpo deseja e se apodera. Um dos instrumentos do poder corporal é o fetiche. Entre dois corpos, vale mais o fetichizado, para os adeptos, é claro.
Essa relação está claramente definida nos trajes de couro da dominatrix sádica padrão, com seu açoite entre as mãos, aguardando o masoquista. Os uniformes de doméstica nas sex shops aludem ao poder e à submissão. Os trajes nazistas usados pelos gays entronizam o domínio do macho (e o ridicularizam, também, afinal, tudo é fantasia).
Os saltos plataforma, altíssimos, dos travestis e prostitutas de luxo elevam seus possuidores acima de seus clientes, deixando clara a relação de poder do desejo. Todos os elementos que envolvem o fetiche funcionam na direção desta tríade: desejo, satisfação, poder.
A pele decorada
A tatuagem e o piercing atendem ao apelo fetichista da segunda pele. Embora antigas e universais, as práticas de tatuar-se e perfurar-se para a decoração do corpo surgem no mundo contemporâneo como fetiche, sem conotação mística ou religiosa. Há um vínculo muito mais ligado à dor e ao prazer eróticos na modificação corporal fetichista. Sua incorporação aconteceu na década de 1980, e o fotógrafo e artista plástico Robert Maplethorpe foi um dos seus primeiros divulgadores. Escandalizou os setores médios do planeta ao mostrar suas fotos de homens nus, de corpo malhado, ostentando piercings nos genitais, língua e lábio. A subcultura punk e gay incorporou as tattoos e os piercings como afronta direta ao mundo "careta".
Os anos 1990 assistiram ao boom do fetiche físico. As modelos Naomi Campbell e Christy Turlington fizeram piercings no umbigo, e Jean - Paul Gautier, o mais top dos estilistas, realizou um desfile inteiro com homens e mulheres totalmente tatuados. Foi que bastou para o grande sistema cultural assimilar corpos fetichizados. Todos passaram a se perguntar até onde a idéia de beleza estava se transformando. É claro que a cultura punk estava se impondo no único segmento possível: a moda.
O fetiche como narrativa
Cada fetiche conta uma história, está narrando os desejos de poder do fetichista. É a linguagem do convite ao prazer. O mínimo que o fetiche estimula é o voyeurismo. A menina com a saia curtíssima quer ser vista, admirada, paquerada, amada. Os fetiches mais exóticos, como os trajes escandalosos de alguns gays, fazem a crítica da homofobia.
Assim, cada fetiche implica uma mensagem mais ou menos explícita. O conhecido fetiche por pés (podolatria) os mimetiza em ícones fálicos. Pé e pênis se aproximam no imaginário do fetichista. Saltos altos potencializam esse falo. Masoquistas que desejam ser pisoteados por saltos altos (Tacones Lejanos, filme de Almodóvar, trata do assunto) vêem nele a ameaça de dor. Para Freud, o sapato feminino podia se tornar fetiche porque era o penúltimo objeto que o menino via sob a saia da mãe.
Aos pés do desejo
Talvez o fetiche mais comum seja por pés e sapatos. É conhecido como altocalcifilia. Seguindo o raciocínio de Freud, a criança engatinhando vê e convive com os sapatos. O objeto se torna sinal de carinho e amor. O apelo por sapatos não se limita ao homem. Há o registro de um chimpanzé macho, criado em cativeiro, que se masturbava esfregando-se na bota do vigia do zoológico.
Um padre inglês, segundo depoimento do terapeuta sexual Magnus Gesellschaft, tinha fetiche por sapatos de homens e mulheres. Ele freqüentemente parava em frente a portas onde pessoas haviam deixado seus sapatos e beijava-os, além de pagar empregados de hotel para que o deixassem limpar os sapatos dos hóspedes.
A atração maior dos fetichistas é por sapatos de salto alto. Eles tiveram origem com Catarina de Médicis, no século XVI. Ela era de baixa estatura e mandou confeccionar os primeiros pares de sapatos de salto alto. O costume pegou entre a aristocracia. Logo toda a corte usava o modelo. Os Estados Unidos só conheceram os saltos altos no século XIX. Como muitos outros costumes, foram as prostitutas francesas que levaram a novidade para Nova Orleans. Logo uma cafetina os importou para todas as suas profissionais. Os clientes encomendaram para suas mulheres, e o hábito pegou.
Os sadomasoquistas reverenciam os saltos, por sua ameaça. Fotos de revistas especializadas mostram agudos saltos sobre a genitália do fetichista.
Mas de forma geral os saltos alteraram a postura da mulher, tornando-a mais desprotegida, além de salientar suas formas com a alteração da espinha dorsal.
Há boa literatura sobre o tema. No Brasil, o poeta e escritor Glauco Mattoso dedicou vários sonetos a seu fetiche pelos pés, conforme podemos verificar no texto transcrito a seguir. O tênis da menina é a fixação dele:
Na boca da avenida, bem no centro da cidade,
lá vem ela com pinta de estudante calourinha.
Não sei de que colégio, que cursinho ou faculdade,
só sei que o que eu queria é que ela fosse aluna minha.
O cabelinho dela é uma tentação pro trote:
levinho, liso e loiro, escorrendo no decote.
E o que me põe mais bobo, mais doido, mais tonto nela
é aquele tênis preto amarrado na canela.
Franjinha sobre o óculos, boquinha de chiclete,
nariz arrebitado, saia acima do joelho.
Deve ter mais de vinte e aparenta dezessete.
Se ela é coelhinha, eu queria ser coelho.
A cinturinha dela parece de tanajura,
de olhar já dá formigamento na musculatura.
Mas o que deixa ouriçadíssimo este magricela
é aquele tênis preto amarrado na canela.
Eu fico só pensando nela sem aquela blusa:
mamãe me amamentando e eu encolhido no colo.
Sem saia deve ser alguma coisa tão confusa
que nem Serra Pelada com metrô no subsolo.
Nua de corpo inteiro é uma fotografia aérea
da Via Anchieta atravessando a Sibéria ...
Só tem mesmo uma coisa que eu não tirava dela:
é aquele tênis preto amarrado na canela.
O fetiche por sapatos vai além da visão ou do toque, conforme caso do Arquivio di Psichiatria, de Moraglia, informando sobre um homem que só alcançava o orgasmo ao ouvir o rangido de sapatos femininos. Sua fixação se iniciara aos 17, quando ouvia os sapatos da namorada, ao fazerem sexo na escada.
A pele do dono
O escritor que deu nome ao desejo por sofrimento, Leopold von Sacher-Masoch, associava as peles de animais ao gosto pela dor dos masoquistas. Em seu romance A Vênus das peles, ele descreve os prazeres que o protagonista arranca de sua dominatrix vestida com um longo casaco de arminho. Ele associava o odor da pele ao cheiro da mulher-fera, dominadora, que o escravizaria para seu completo prazer.
Para Freud as peles lembravam os pêlos pubianos, na fantasia do menino. É recorrente também na gíria a idéia de associar os pêlos do púbis a animais. A vagina é conhecida como aranha e a mulher como gata.
Um relato de Magnus Hirshfeld trata do caso de um engenheiro canadense, no século XX, cujo maior prazer era envolver-se em peles em frente ao espelho e, admirando-se, masturbar-se. Sua obsessão evolui a ponto de ele invadir uma loja pela vitrine, durante a noite, e promover uma orgia com as peles expostas. Quando saiu da prisão, usava uma fralda de pele em casa.
Os tempos ecológicos condenam o uso de peles de animais, mas sua significação permanece viva para os fetichistas.
Há ainda o glorioso veludo, cujo requinte lustroso, ondulado e feminino, encanta a muitos fetichistas. A banda americana Velvet Underground (Veludo do submundo), do roqueiro Lou Reed, explorava a associação do tecido com o prazer sexual das subculturas, no mundo punk de Nova York. O veludo ainda pode ser associado a pesadas cortinas que escondem e revelam ao serem abertas. O kitsch abusa da variação conhecida como veludo molhado, avançando numa estética que flerta com o fetichismo trash.
O fetiche como traje
Entre as roupas, a que mais se associa ao fetichismo são os uniformes. Eles retiram seu usuário da multidão, informam sobre uma atividade, firmam regras e identificam grupos. Homossexuais estabelecem forte vínculo erótico com militares, policiais e bombeiros. O apelo à autoridade é óbvio na farda. A dominação é subjacente e clara, assim como homens de terno e gravata representam indivíduos atuantes, participativos e dono de seus destinos. A roupa estilo Mao, um hit dos anos 1970, tinha forte conotação de farda e ainda associava o toque oriental do tecido fino com o corte simples: puro glamour.
Entre os uniformes femininos, as enfermeiras se tornaram ícones eróticos, destilando proteção e intimidade diante da fragilidade da doença e possibilidade de sexo inesperado. A fantasia do enfermo e da enfermeira é um estereótipo. A enfermeira é uma espécie de doméstica no hospital e acirra o sexismo do macho.
Para os masoquistas ainda existe a fantasia de que a enfermeira lhe possa infligir dor. Guillaume Apolinaire, escritor francês, é autor do romance erótico As onze mil varas. Neste verdadeiro clássico do sadomasoquismo há cena em que uma enfermeira sádica percorre os hospitais de campanha durante a Primeira Guerra, abrindo os ferimentos dos soldados quase mortos, para se deliciar com suas expressões de dor.
A criada uniformizada está na mesma linha da enfermeira. Outro estereótipo de primeira experiência sexual do jovem macho. Travestis que se prostituem como sadomasoquistas, em Londres, costumam usar uniforme de criada. Eles são puros, femininos, servis e possuem um pênis entre as pernas.
Do fetiche em si ao objeto de prazer
A significativa abertura promovida pela revolução sexual nos anos 1960 permitiu que o prazer se tornasse um lucrativo negócio. Além da indústria pornográfica, surgiram e crescem sem cessar as sex shops-lojas que vendem objetos para aumentar o prazer a dois ou na masturbação.
As mulheres representam 70% dos consumidores de sex shops espalhadas pelo Brasil, setor que movimenta em torno de 700 milhões de reais por ano. Os dados são da Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual. O leque de produtos à disposição nas lojas ou em catálogos virtuais é extenso. Alguns itens bastante comuns:
Bonecas infláveis para masturbar-se: ultrapassaram a fase grotesca, quando não conseguiam semelhança com o corpo. Há modelos de até 5 mil dólares, que gemem e choram quando são penetradas no ânus.
Desenvolvedores penianos: são tubos que se ajustam ao pênis e, mediante pressão num acelerador, comprimem a base. Semelhante aos exercícios tântricos.
Penis: geralmente em polivinil. Existem de todos os tamanhos e espessuras, com camas e saliências para masoquistas.
Vibradores: de todos os tipos e tamanhos. São movidos com pilhas. Existem os duplos: para vagina e ânus ou, ainda, para vibrar sobre o clitóris.
Sadomasô: roupas de couro, borracha e vinil, chicotes, máscaras, algemas, cintas, coleiras e colares são alguns dos acessórios à disposição.
Além destes, estão disponíveis DVDs, livros, manuais, jogos e mais uma lista longa de produtos. É uma indústria em franca expansão.
O paraíso do prazer: tecnologia nas sex shops
Entre as novidades está o Slightest Touch (Leve Toque). Fabricado por uma empresa chamada Stimulation Systems, é um dispositivo movido a baterias que estimula nervos da pelve feminina. Ele custa 200 dólares e não produz orgasmos - apenas deixa as mulheres prontas, alega o fabricante.
Com o tamanho aproximado de um walkman, o Slightest Touch funciona com um par de eletrodos, que devem ser colados nos tornozelos. Segundo o fabricante, a corrente elétrica produzida estimula dois pontos de acupuntura relacionados a três nervos da região pélvica. "É um ótimo casamento de alta tecnologia, teoria clássica dos nervos e a antiga teoria chinesa dos meridianos", disse Norman Camparini, chefe de design.
O fetichismo é normal?
Há 100 anos o sexo oral-genital era considerado espúrio, doentio e perverso. Hoje é praticado por pais e mães de família. A pergunta que se faz hoje em relação ao fetichismo é o que ele significa para o usuário. Um casal que pratique sexo usando traje de couro talvez não seja menos estranho do que um sujeito que coleciona selos raros. Mas, se esse gosto exótico implicar um distúrbio que leve ao crime, como foi o caso de muitos fetichistas homicidas, então é preciso interferir, conforme indica o caso de William Heirens, que aos 16 anos assassinou três mulheres, obcecado pela textura de suas calcinhas. Ou,ainda, é necessário estudar esses comportamentos para perceber seus limites.
Buscando os motivos
Alguns dizem que o fetiche é exclusivo do sexo masculino, porque as mulheres, não tendo que conseguir ereção, não necessitam de fetiche. No fetichista persistiria o temor infantil quanto ao sexo oposto. A idéia é de que, ao se sentir sem condições de manter relação sexual com uma mulher, ele a substituiria pelo fetiche. Portanto, garantiria a ereção graças à diminuição da ansiedade.
Outros afirmam que o fetiche tem origem na primeira infância, em que a criança com poucos meses atenuava a angústia da separação da mãe pela presença de um objeto, por exemplo, o ursinho de pelúcia, travesseiro, cobertor. Nesse caso, o adulto não teria aprendido a mudar o objeto de amor e a viver em sociedade. Dizem também que fetichista tem sentimento de culpa e de inferioridade sexual; portanto, se apega obstinadamente ao fetiche para ter certeza de que não vai falhar.
Quem não tem muita certeza do porquê de o fetiche ser exclusivo do sexo masculino arrisca algumas hipóteses. Talvez seja porque desde pequenos os homens foram acostumados a tirar prazer do sexo, sendo sempre encorajados a experimentar. Assim, suas associações com sexo são mais amplas que as das mulheres. Além disso, eles teriam sido acostumados a pensar em sexo sem a presença da mulher.
Habituados à pornografia, é comum se masturbarem enquanto olham imagens, e mais tarde seriam facilmente excitados por objetos inanimados. Esses autores alegam que a mulher, ao contrário, foi condicionada a associar prazer sexual a um relacionamento amoroso. Questionam até se, com o aumento da liberdade da mulher em relação ao sexo, uma dose de fetichismo não entraria em sua vida.
O futuro da fantasia
As revoluções de comportamento, na segunda metade do século XX, alteraram o perfil das fantasias mais tradicionais. Outras surgiram, e há ainda aquelas que foram assumidas com menos culpa por seus adeptos. A televisão comercial, depois de certa hora da noite, veicula chamadas de telessexo gravado, que é uma das formas de devaneio sexual mais procuradas da atualidade. Formas de sexo extremo, como sadomasoquismo e pedofilia, recebem tratamento simulado para alimentar as imaginações menos comuns. O futuro da fantasia está condicionado aos limites da lei e da imaginação, ou de ambos.