"Como a maioria das mulheres dominadoras, gosto de comandar dentro e fora de quatro paredes", diz a professora de português, inglês e sociologia do ensino médio que se apresenta como Foxy Lady, de 33 anos. Ela e muitas outras dominatrixes usam pseudônimos para se proteger do preconceito, afinal, não seguem o velho estereótipo feminino nem sonham com um homem provedor.

hanna dommeHanna Domme, dominatrix de 31 anos, usa pseudônimo e não mostra o rosto por temer o preconceito

Independentes, seguras e assertivas, as dominadoras demoram, no entanto, para se reconhecerem como tal e "saírem do armário" (expressão comumente usada para se referir ao momento em que homossexuais assumem sua sexualidade).

"Nas minhas relações, sempre desejei uma pegada mais forte, de dar um tranco no parceiro sem afugentá-lo, pois sexo baunilha [tradicional] não era suficiente", conta Hanna Domme, de 31 anos, que trabalha em uma empresa de e-commerce. "Eu era conhecida pelos amigos dos meus 'ex' como a 'sargentona'. Quando descobri que não era a única assim no mundo, foi uma realização."

Hanna se refere às práticas de BDSM, sigla de bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo. É durante esse jogo erótico que as dominadoras entram em ação, para deleite do "escravo", como é chamado o parceiro submisso.

Na privacidade do casal ou em sessões fechadas para praticantes, tudo é consensual e o limite é definido de acordo com cada um. São nesses momentos que elas fazem o que seria impraticável para quem vive no mundo baunilha: humilham, torturam psicológica e fisicamente, mandam e desmandam.

"Brinco que nasci assim, pois desde os meus cinco anos escravizava meninos", conta Foxy Lady, que entrou definitivamente para o universo BDSM há 13. "Sem ter consciência, tinha dois submissos. Costumava subir neles para pegar amoras, escolhia aquelas mais bonitas e dava o resto para eles comerem, que não reclamavam. É uma característica da personalidade que não tem como mudar."

A atriz de formação e psicopedagoga Melinda Domme, de 30 anos, enfrentou muitos problemas afetivos até se descobrir dominadora. Por gostar de estar sempre no controle, conflitos no relacionamento eram quase inevitáveis.

"Antes de ter consciência do meu lado B, um ex-namorado masoquista me deu de presente um scarpin lindo. Na intimidade, pediu para pisá-lo com o sapato. Comprei a ideia facilmente. Fui me empolgando com as práticas e ele foi me incentivando", diz Melinda. "Quando participei de uma festa de podolatria [adoração por pés], me senti uma rainha".

Para as dominadoras, ter uma parceiro submisso é como ganhar na loteria. Mas não é fácil encontrar um amor que assuma esse papel. "Nossas escolhas vão contra a moral e os bons costumes", afirma Hanna Domme. "Mesmo que o casal seja do 'meio', ambos precisam encarnar o estereótipo estipulado pela sociedade."

Casada há dois anos e meio, ela conheceu seu "escravo" em um grupo BDSM. Esse é o caminho que uma dominatrix costuma fazer para encontrar parceiros compatíveis.

"Muita gente, porém, vive uma vida conjugal baunilha e, para compensar, acaba tendo uma vida paralela", conta Melinda, que encontrou seu "escravo" Doug Dink na internet e namoram há três anos. "Na minha página virtual, já dei muitos conselhos, geralmente para homens casados que se dizem infelizes por não vivenciarem suas fantasias com suas mulheres."

Opinião de especialista

Associar esse tipo de prática erótica à patologia ou a problemas na infância é um equívoco. Segundo a psicóloga e sexóloga da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Maria Claudia Lordello, ser uma mulher dominadora faz parte das características da personalidade. "Também há influências sociais e biológicas, mas dizer que quem foge dos padrões tem algum problema é preconceituoso."

Foi o preconceito tão enraizado que levou a atriz e psicopedagoga Melinda Domme para o divã. Ela queria saber se seu prazer em dominar e causar dor no parceiro vinha de algum problema psicológico. Na terapia, o máximo que descobriu foi a possível influência de seu pai dominador e sua mãe submissa. "A terapeuta concluiu que, se era bom para mim e para o meu parceiro, não existia mal nenhum", conta Melinda.

Para Maria Claudia, no sexo é difícil definir o que é normal ou anormal, pois existe uma infinidade de possibilidades para alcançar prazer, ainda mais se é um jogo erótico compartilhado igualmente entre as pessoas. "Sexo deveria ser sempre visto como uma brincadeira de adultos que dá prazer, diverte e relaxa", explica a psicóloga e sexóloga. "É como se as pessoas subissem em um palco para viver algo diferente, outros papéis. Mas existe uma dificuldade de enxergar dessa forma por motivos religiosos, educacionais e sociais."

Hoje, a independência e a autonomia femininas abrem espaço para que as mulheres dominadoras se aceitem e se revelem com mais facilidade –na cama e fora dela. E os homens têm gostado disso, principalmente os mais novos, por estarem mais abertos ao que foge do usual. Para esses, é como se pudessem tirar das costas o peso secular de sempre ter de conduzir a relação amorosa, familiar e profissional.

Na opinião de Maria Claudia, essas obrigações sociais geram muitas expectativas masculinas, ao obrigar a ser um super-homem na cama e na vida em geral. "O reflexo dessa pressão está associada à disfunção erétil", diz ela. "No entanto, a maioria dos homens quer dominar, e muitas mulheres estão presas ao estereótipo de que eles exercem fascínio e poder sobre elas". A prova é o sucesso do livro "Cinquenta Tons de Cinza", no qual a protagonista se submete ao domínio do personagem Christian Grey.

Dominatrix não precisa ser estereotipada

A figura da dominatrix está mais ligada à questão do papel sexual do que social, de acordo com o psiquiatra Alexandre Saadeh, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e coordenador do Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. "Há muitas que na vida pública são dóceis, discretas e submissas, mas no aspecto sexual, mostram seu lado dominador", diz Saadeh.

O mais importante, segundo o psiquiatra, é que existe espaço de procura para todos os padrões de papéis sociais. Submissas, impositivas, sedutoras, mimadas etc. "Tudo depende dos valores introjetados e de como cada um se percebe na vida social e sexual. E cada pessoa e cada casal podem viver da maneira como se estabelecem".

Chicotada profissional

Nefertiti Ishtar abandonou a carteira assinada como representante comercial para pegar o chicote e atuar como dominatrix profissional. Hoje, é conhecida como Rainha Nefer. Dominadora assumida, tornou-se referência nas práticas de fetiche e BDSM. Em suas sessões particulares, segue à risca a cartilha do SSC (são, seguro e consensual).

A dominatrix é casada e seu companheiro aceita a posição dominadora da mulher e a ajuda a cuidar da agenda atribulada da Rainha Nefer. Entre seus clientes, a maioria é de altos executivos, segundo ela. "Acostumados a mandar, eles procuram viver a inversão de papéis, ao serem humilhados e dominados", conta ela, que tem 37 anos.

Casal conta experiência em blog

O casal Melinda Domme e Doug Dink mantêm um blog onde contam suas experiências. Internautas lhes enviam diversas ofertas de escravidão e pedidos de orientação, principalmente de homens casados, segundo ela. "Digo que a melhor alternativa é convidar as mulheres para embarcarem na dominação de forma gradual".

Para as interessadas em desenvolver o lado dominadora, Melinda lembra que, para experimentar a sensação de ser dona absoluta de um "escravo", é preciso disposição para dar ordens e propor humilhações que caracterizem o estado inferior do parceiro perante elas.

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