Os modos como indicamos nossa posição na ordem de proeminência social
Uma exibição de status é uma demonstração de um nível de predomínio. Em condições primitivas, o domínio é alcançado por uma exibição de força bruta. O membro mais forte do grupo sobe ao topo da "peck order"' e o mais fraco fica na base. Nas sociedades humanas modernas, a força física foi substituída por outras formas de dominação. O poder muscular cedeu lugar ao poder herdado, ao poder manipulativo e ao poder criativo. Os homens-músculos do topo foram substituídos por herdeiros, executivos e talentos, todos igualmente no topo. São esses os três tipos de status elevado que encontramos hoje, e cada um tem o seu modo especial de ostentar o seu predomínio. Ao invés de exibir músculos protuberantes, o herdeiro exibe a sua ascendência, o executivo a sua influência, e o talento os seus trabalhos.
Disse-se algumas vezes que o dinheiro substituiu os músculos como a maior exibição de status dentre todas, mas isso não é estritamente verdadeiro. É possível ser um aristocrata sem vintém, um político pobremente remunerado ou um gênio empobrecido e ainda merecer um respeito considerável, devido ao back-ground, ao poder ou à habilidade criativa. Mas tem-se que admitir que ser rico e ter um título, ser rico e poderoso, ou rico e brilhante, torna a pessoa duplamente abençoada na "corrida de ratos" para o status elevado. Também a torna alvo de uma grande inveja, com um halo que tem que cair apenas uma curta distância para se transformar em nó corrediço. O resultado é que as exibições de status se tornaram cada vez mais sutis.
Antigamente os chefes supremos podiam exibir sua dominação de modo tão impetuoso quanto quisessem. Suas roupas, jóias, palácios e entretenimentos eram ostensivamente expostos. Isso era possibilitado pelos seus guardas, seus torturadores e suas masmorras — que lidavam eficazmente com quaisquer objetores. Em certo sentido, eles estavam a apenas um passo de inchar os músculos. Mas então, há uns meros cem anos, os subordinados começaram a descobrir o truque de atacar em grupo os seus senhores. A força numérica era a solução, e os tiranos ao velho estilo foram derrubados do pedestal. Desde então os dominantes em novo estilo foram forçados (são) a jogar o jogo do status elevado vivendo com astúcia e sutileza. É isso o que torna tão fascinante o estudo das modernas exibições de status.
Para os herdeiros, a nova situação significou pompa sem poder, e para os executivos, poder sem pompa. As famílias reais sobreviventes ainda exibem os ornamentos e rituais dos velhos dias, propiciando um salpico de cor e fausto a um mundo cinzento, mas sem exercer qualquer poder real de governo; e os líderes políticos, que ainda exercem grande poder, tomam o cuidado de serem vistos a fazer isso usando ternos de flanela cinza. Em outras palavras, uma exibição de status elevado ainda pode ser espalhafatosa, desde que seja pouco mais do que um desempenho teatral; mas, se for escorada por poder real, deve ser convenientemente abafada.
Esse abafamento das exibições de status toma diversas formas. Uma é transferir a manifestação para longe da pessoa. Um presidente ou chefe de Estado veste-se sobriamente e anda num veículo preto. Foram-se as coroas de ouro e as carruagens douradas. Ele sorri e troca apertos de mãos. Foram-se as maneiras senhoris e a exigência de mesuras e rapapés. Mas ele faz tudo isso rodeado por uma impressionante comitiva de conselheiros e guarda-costas. A polícia abre-lhe caminho e sua equipe pessoal o isola de interferências.
Se descermos ligeiramente na peck order, deixando reis e presidentes, encontraremos outra forma de abafamento. Envolve o desenvolvimento da "coisa in". Trata-se de uma ação ou objeto que requer status elevado meramente porque é feita ou possuída exclusivamente por indivíduos de status elevado. Pode ou não ser dispendiosa, mas é sempre de moda. Pode ser uma bebida in, um restaurante in, um carro in, um refúgio de férias in, ou um traje in. "In" é a abreviação de "in-the-know"', e apenas o grupo de elite dos indivíduos de status elevado está "in-the-know". Este estratagema de exibição é especialmente preferido por herdeiros não-reais: herdeiros e herdeiras de fortunas familiares, filhos de ricos e "colunáveis". É o mundo do jet set, onde, assim como com as famílias reais, não existe poder de fato; há apenas favores sociais. Mas, ao contrário da realeza moderna, os playboys e playgirls evitam um ritual formal e as cerimônias públicas. A essência do seu mundo é ser exclusivo — isso exclui o mundo exterior e confina suas exibições de status à sua própria esfera de ação. Seus excessos são abafados porque são particulares. Ainda funcionam, porque, dentro do seu limitado alcance social, tais excessos continuam a impressionar rivais próximos, e isso basta. Naturalmente seria agradável se as exibições pudessem alcançar uma platéia maior, mas isso poderia ser perigoso. Suscitar inveja poderia acionar a guilhotina de novo, em alguma forma nova.
Entretanto, como a face mais suave da inveja é a imitação, há problemas. A gente out tenta copiar a gente in. Sentar-se num matadouro transformado e parcamente iluminado (o mais recente restaurante in) faz alarde de status elevado. Bebe-se antler-fizz (o mais recente drinque in) e usam-se contas nativas do Sudão (a mais recente jóia in), vestindo um macacão preto de caldeireiro (o mais recente traje in). Apenas a própria gente in conhece essas novas modas, mas por perto há um colunista de fofocas, escrevinhando os detalhes. Num piscar de olhos, a moda se torna out e o lugar fica apinhado de imitadores. As pessoas in têm que mudar, e o ciclo começa de novo.
Claro que seria ingênuo imaginar que essas pessoas in evitam publicidade. O caso não é esse. O que fazem é uma exibição de evitar publicidade, mas assegurando-se de o fazer de modo ineficaz. Ficam então na posição de poder se queixar de que seus esconderijos favoritos se estragaram ao se tornarem populares demais, e que suas modas foram destruídas pela cópia barata. Isso lhes dá a oportunidade de serem líderes de caprichos e modas sociais, sem que pareçam querer ser. Não podem, portanto, ser acusados de descaradamente ostentar suas exibições de status no nariz dos que estão mais abaixo na peck order social.
Voltando-nos dos herdeiros para os executivos, podemos ver um estratagema semelhante em operação. Aqui há a mesma ênfase sobre a "exibição restrita". Abaixo do nível de presidente e primeiro-ministro, os executivos são os magnatas e os empresários, os administradores poderosos, os chefes de sindicatos e os financistas. Esta é a brigada do poder real sem pompa — homens cinzentos, reservados, que restringem suas exibições de status aos subalternos imediatos. Na discrição de seus escritórios, o poder de cada um é cuidadosa e sutilmente demonstrado por centenas de maneiras diferentes. Para o mundo exterior, muitas dessas exibições seriam sem sentido, mas os que estão próximos da sede do poder comercial conhecem os sinais e ficam convenientemente impressionados.
Para dar alguns exemplos: há a exibição de sapatos. Os sapatos de executivos de status elevado são imaculadamente polidos e identificáveis por olhos peritos como provenientes apenas de sapateiros requintados. Assim como todos os primatas realmente dominantes, os executivos no topo tendem a se ataviar lindamente, e prestam atenção a detalhes que escapam às classes inferiores. Depois há a exibição de telefones, ou seja, ter mais telefones sobre a escrivaninha do que é estritamente necessário, incluindo um especialmente colorido, que não passa pelo PBX da companhia — a linha direta de status elevado, com um número particular. Executivos de status elevado nunca discam o número no telefone — alguma outra pessoa tem que fazer isso por eles, ainda que leve mais tempo dar instruções do que fazer a discagem. Operar qualquer aparelho mecânico, mesmo um telefone, tem um matiz de "trabalho manual" e conseqüentemente um travo de status inferior. Depois de as duas secretárias terem feito contato, há a batalha para ver quem fala primeiro. O status elevado exige que o outro homem seja posto na linha primeiro, de modo que ele tenha que falar com a sua secretária, mas você não tenha que falar com a dele.
A exibição de telefones foi recentemente estendida aos telefones no carro, de modo que o alto executivo possa mostrar como é ocupado fazendo telefonemas em trânsito. Para os in-the-know, esses telefones no carro requerem uma antena especial que, salientando-se do veículo, atua como mais uma exibição de poder a tal ponto que nos Estados Unidos uma firma alcançou muito sucesso pondo no mercado antenas de imitação para veículos sem telefone. E, sem dúvida alguma, essa mímica da dominação forçará mais uma vez o homem de projeção a buscar uma nova forma de exibição de status. Buscas semelhantes ocorrem com a escolha do próprio carro, e há uma lenta mas constante troca de modelo por modelo, à medida que os imitadores os vão gradualmente alcançando.
Há também a exibição da pasta. Executivos de status menor têm que lidar com detalhes (a desatenção a detalhes é uma exibição de status extremamente elevado) e precisam carregar volumosas pastas atulhadas de papéis. Um pouco acima na peck order, as pastas se tornam mais delgadas a fim de mostrar que apenas papéis vitais estão sendo carregados. Mas, no topo mesmo, não se carrega nada em absoluto. No mundo dominante dos executivos, indivíduos de status elevado carregarem material de negócios de qualquer espécie é um tabu absoluto. Conforme observou alguém recentemente, os homens de pasta no mundo dos negócios são os lanceiros. Aos generais eles protegem, não o são.
O assento no escritório é outra área rica para as batalhas de status. Sob o pretexto de oferecer aos visitantes assentos caros e inusitadamente confortáveis, os altos executivos oferecem às visitas cadeiras muito baixas e macias, nas quais os visitantes afundam quase até o nível do chão. Isso significa que, quando tanto o anfitrião quanto o visitante estão sentados, o homem no topo fica literalmente no topo, bem acima da visita, contemplando-a do alto. É o equivalente, para o executivo moderno, da exigência de prostração feita pelo antigo dirigente — baixar de corpo disfarçado em oferecer conforto.
Desse e de muitos outros modos, os executivos exibem seu status. Para os que se encontram fora do campo de batalha, as sutilezas se perderiam, e mesmo dentro do mundo dos negócios há muitas diferenças tanto entre países quanto entre companhias. As exibições de status, esquivando-se do alarde público devido à pressão das modernas atitudes culturais, tornaram-se cada vez mais localizadas e especializadas. Muitos traços de status elevado são completamente arbitrários, baseados inteiramente no que os indivíduos de status elevado escolhem como elementos de alto nível.
Entretanto há certos princípios gerais que percorrem todo esse labirinto da sinalização de predomínio. Um é o tempo e outro o serviço prestado. Deve sempre haver menos tempo do que o necessário e mais serviço prestado ao executivo do que o necessário. O homem proeminente tem sempre que aparentar estar inacreditavelmente ocupado. Em princípio os subordinados devem sempre ser mantidos à espera, as agendas devem estar lotadas, as entrevistas ser severamente abreviadas. Longe da sede do poder, o alto executivo pode vadiar e protelar, mas lá o relógio deve reger o dia. Não conseguir isso é sugerir que suas qualidades pessoais têm uma solicitação menor do que enorme. O mesmo se aplica a muitos herdeiros — a "colunáveis" que circulam num "turbilhão social" de tirar o fôlego, e cujas cintilantes personalidades têm que ser vistas para serem muito solicitadas.
No que concerne a serviço prestado, isso é ainda mais vital para o verdadeiro dominante. Os criados sempre foram importantes, mas no passado eram exibidos tanto pelos níveis médios quanto pelos superiores da peck order humana. Agora eles são mais raros e, conseqüentemente, adquiriram um caráter ainda mais valioso de status elevado, sendo o motorista particular quase obrigatório enquanto demonstração de poder e autoridade reais. Houve um alvoroço de inquietação entre os estratos mais altos de Londres, recentemente, quando um homem de status particularmente elevado se pôs bravamente a pedalar pela cidade, como demonstração antipoluição. Louvável como era, o pensamento de pedalar uma bicicleta vir a tornar-se uma nova exibição de status era demais para outros homens do topo, e eles reagiram com o ridículo. Outra personalidade de projeção, um explorador relutantemente promovido à administração, insistiu algumas vezes em comparecer a pé a compromissos, ação que ocasionalmente despertou incredulidade e hostilidade em outros colegas de status elevado. Isso apesar do fato de que, no centro das cidades, caminhar freqüentemente se comprova mais rápido do que se arrastar por congestionamentos de tráfego. O que se objetou, em termos de status, foi que um caminhante se parece com outro, e se perde a exibição de serviço de sentar-se atrás de um motorista, que abre e fecha as portas.
No início foram mencionadas três categorias de status elevado: os herdeiros, os executivos e os talentos. Os talentos foram deixados de lado até agora porque são um caso especial. Suas exibições de status são seus trabalhos: o compositor se exibe com a sua música, o cientista com as suas descobertas, o escultor com as suas estátuas, o arquiteto com as suas construções e assim por diante. São classificados de acordo com a qualidade das coisas que fazem, e não pelo modo como se comportam. Tipicamente, os herdeiros e os executivos não fazem nada. Quando morrem, seus eventos sociais e acordos de negócios morrem com eles, mas os talentos criativos continuam vivendo, lembrados pelas suas grandes obras. Isso lhes dá uma vantagem tão grande em termos de status, que raramente se preocupam muito com os outros aspectos da exibição de predomínio. Na realidade, sua falta de consideração pelas exibições usuais de status quase se torna uma exibição de status em si mesma. Excentricidade no vestuário e no comportamento é um lugar-comum para eles, que gozam de liberdades sociais desconhecidas de outros cidadãos na corrida de ratos. A obra fala por eles.
Finalmente, e os membros de status inferior na hierarquia social? Nem todos se encontram na base da peck order, e existem diferenças de status entre eles que são expressas por uma quantidade de meios característicos. Há o imitador. Já o conhecemos: é o que se entrega à mímica da dominação. Ele copia, num modo inferior, as atividades do indivíduo de status elevado. Para dar um exemplo: se não pode pagar uma pintura valiosa, ele compra uma reprodução da tela valiosa, para pendurar na parede. Se não pode pagar pérolas verdadeiras, compra imitações para a esposa. Sua casa está cheia de falsas antigüidades, couro de imitação e plástico passando por madeira. Ao invés de objetos honestos e simples, ele prefere produtos de imitação e dispendiosos. Depois há o ostentador. A ostentação espalhafatosa é a exibição de status típica do garotinho — "Fiz melhor do que você"; "Não, não fez, fui eu que fiz" —, mas isso desaparece na idade adulta. Quando persiste, torna-se mais sutil. Converte-se em deixar escapar alguns nomes e casualmente conduzir a conversa no rumo da ostentação. Claro que indivíduos de status elevado não são imunes a isso, mas geralmente conseguem ter alguma outra pessoa que faça ostentação por eles, providenciando assim um nicho social para outra categoria: o bajulador. Os dominantes gostam de ter alguns aduladores à disposição para entoar louvores a eles, e os sicofantas conseguem com êxito elevar o próprio status do nível baixo para o moderado utilizando esse ardil.
Há também o trocista: outro tipo de status baixo que consegue subir ligeiramente sua posição entretendo os companheiros. Divertindo-os, faz-se solicitar.
Incapaz de ganhar o respeito sério deles, ganha-o distraindo-os e fazendo-lhes a vontade. Há o conversador, que nunca pára de falar e conseqüentemente consegue deter o centro da atenção por muito mais tempo do que o seu normal em qualquer encontro social. E finalmente há o argumentador, que ronda a cena social, esperando para se engajar num combate verbal. Rompendo o fluxo suave do intercurso social, também atrai atenção para si e sobe ligeiramente de posição no processo.
Todos nós conhecemos e reconhecemos esses tipos e encontramo-los todos os dias, mas teremos sorte se nunca encontrarmos uma outra forma de exibição de status, que ocorre totalmente fora do âmbito dos eventos sociais ordinários: é a forma neoprimitiva, o homem que, levado a medidas desesperadas, reverte ao poder muscular primevo para demonstrar sua ascendência pessoal. É a categoria malandro/ladrão/estuprador: não o ladrão desesperado por dinheiro, não o estuprador desesperado por sexo, mas o homem desesperado, ainda que por breves momentos, por sentir a excitação do domínio violento sobre outro ser humano. O fato de ser domínio alcançado pelo meio mais brutal possível não o dissuade. Geralmente é tudo que ele tem capacidade de alcançar.
No caso do estupro, essa necessidade frustrada de manifestar domínio é a causa mais comum. Um homem faminto de sexo pode, afinal de contas, encontrar uma prostituta que lhe satisfaça a necessidade sem muita dificuldade. O que o estuprador quer não é tanto alívio sexual, mas a total e abjeta sujeição da vítima, sua humilhação e degradação. Apenas se isso for extremo ele poderá experimentar um aumento temporário de status. É o status de sexo, que não é, de modo algum, um padrão exclusivamente humano de atividade. O sexo é usado desse modo por muitas outras espécies de primatas — como um método de exibir predominância. Para as outras espécies, tornou-se um processo altamente estilizado, com algumas arremetidas simbólicas da pélvis por parte do animal que monta, o qual sequer se preocupa com a penetração. De fato, o macaco ou o gorila "estupradores" podem ser tanto macho quanto fêmea, e o animal "violado" também pode ser de qualquer sexo. O importante é que o que está em cima é o dominante e o que está embaixo é o sujeito à dominação. Tragicamente, na nossa espécie, a estilização não existe, e o prosaico gesto do macaco ou do gorila se transforma num assalto traumático e brutalmente lesivo. Felizmente, para a maioria de nós, as exibições de status na vida social comum deixaram para trás o poder dos músculos e ingressaram no mundo restrito e complexo da troca verbal e do ritual visual.