Eu estava no supermercado quando ouço aquele:
- Ah não acredito!!!
Olho para trás e vejo uma moça branca, cabelos encaracolados, aproximadamente 1,59 de altura, vestido florido, decote discreto, mas presente. Sapatilhas mostrando o peito dos pés, panturrilhas grossas, ancas largas e sorriso com um ar infantil. Aquele que só tem as crianças mais sapecas, sabe?
Olhei, fiquei sem entender nada e ela seguiu:
- Mãe, olha isso, mãe! É o Senhor Szir GanoN (a pronúncia estava errada, mas aquele sotaque mineiro estava corretíssimo).
Quando ouvi meu Nick o primeiro pensamento que me veio a mente foi – “Phödeu!
Taquei pedra na cruz e essa, além de ter visto, veio cobrar satisfações...”
E a doida seguia falando sem parar e sem perder os brilhos de encantamento nos olhos.
- Olha Senhor Szir GanoN sou sua fã. Meu Deus!!! Eu leio tudo que o Senhor escreve!
Já até assinei sites e portais só porque o Senhor estava lá.
Eu sorria totalmente sem graça e ela continuava.
- Geeeente do céu!!! Como numa hora dessas eu não tenho uma agulha para o Senhor me dar um autógrafo!?
Aqui. Mãe, Oce num tem aquele alfinete aí, não, mãe?
Claro que a mãe, tão espantada quando eu, não respondeu.
- Ai Senhor Szir GanoN... Vamos ali no canto para fazermos uma self, pode ser?
- Pode, mas porque num canto?
- Oras, Senhor Szir GanoN, self de submissa com Dominador é levando tapa na bunda, né?
Acho que ela viu meu arregalar de olhos e mudou de assunto:
- E a Princesa, Senhor Szir GanoN? Nossa Senhora, a cada nova postagem de fotos eu rezo por aquela mulhe, viu? Gue.rrei.ra!!! Aquela ali vai ao inferno e volta a cada sessão. Olha... Num dou conta, não... O senhor é muito hard, né?
e antes que eu respondesse, ela continuou:
- Senhor Szir GanoN, manda um beijo para Princesa e diz que, também, sou fã dela. A verdade é que vejo aquelas fotos de bi dela e fico na veia para entrar na festa rsrsrsrs
Eu nada respondo e ela segue feito uma matraca desencontrada:
- Aqui Senhor Szir GanoN, aquelas fotos de vela no rosto não são verdade, não, são?
Eu balanço a cabeça em confirmação e a mulher faz cara de espanto, coloca as duas mãos na boca e segue:
- Meus Deus!!! Bem que a Ju falou que o Senhor é da pá virada.
- Quem é Ju?
Perguntei seco sem entender se era um elogio ou uma crítica.
- A Ju? O senhor não conhece a Ju, não? Ela lova todos os textos do Senhor e diz que é muito sua amiga, uai.
- Muitos dizem, é normal.
- Ah Senhor Szir GanoN... Normal vai ser eu dizer que encontrei o Senhor e batemos altos papos!!! Eta povinho doido... agora vão querer me perseguir e matar só porque sou sua amiga...
Juro que eu não respondi absolutamente nada. Ela não deixava...
- Agora, aqui, Senhor Szir GanoN, eu preciso que o Senhor faça um texto sobre negociação, sabe?
Tipo assim: Eu estou negociando há quase oito meses com um Dominador aí. Senhor Szir GanoN, falta tanta coisa que acho que isso nunca vai acabar.
Tipo assim: a minha renda é muito maior que a dele, então eu quero que ele saia da quitinete dele (Zona Barra Pesada - 30m2) e venha para o meu apartamento (Zona Nobilíssima – 500m2), quer dizer... ele já vem todo final de semana, mas como ainda não fechamos a negociação, ele diz que não pode se mudar ainda. Outra coisa é sobre o cartão de crédito, Senhor Szir GanoN. O meu é aquele Platinum Black totalmente sem limites e o dele é da Caixa Econômica Federal, aqueles azuis com R$1.500,00 de limite...
Ele é muito machista e não quer que eu o coloque como meu dependente no Plano de Saúde, Senhor Szir GanoN.
O Senhor pode falar sobre isso, por favor?
- Claro. Preparo o texto e publico ainda nessa semana, pode ser?
- Ai meu Deus, o Senhor é um doce! Sou muito sua fã, sabe? Gosto muito da Princesa, mas olha Senhor Szir GanoN, o Senhor é um pão, viu?
Eu sorri sem graça e pedi licença para vir escrever o tal texto.
- Vai com Deus, meu querido! Com sua permissão, tá Senhor Szir GanoN.
Num salto ele beijou minha mão (retribui beijando sua mão, também), ajoelhou para beijar meus pés, mas eu negativei na mesma hora e fui saindo de fininho...
Liguei para Princesa, assustado, conto o ocorrido e ouço uma gargalhada vindo do outro lado, acompanhada da frase:
- O Senhor é Mestre em atrair essas doidas.
E mais gargalhada.
Diante daquele total não apoio fiquei puto da cara e desliguei o telefone.
Brincadeiras a parte...
Negociação ou experienciação?
Usando um relacionamento comum, como base, teremos alguns estágios:
1. Paquera;
2. Namoro;
3. Noivado;
4. Casamento;
Porém, mais importante que pensar nesses quatro estágios é pensar que a função primeira da negociação é possibilitar que ambos não percam o seu tempo ao entrar em um relacionamento onde muito pode dar errado.
Por padrão negocia-se limites, práticas, itens que nos são fundamentais e que não abriremos mão.
Exemplos?
Fulana não abre mão do namoro comum junto a relação BDSM.
Ciclano não aceita submissas com casamentos comuns.
Ana Vera é masoquista, curte humilhação hard e não abre mão de muita putaria em seus jogos.
Dom Abelardo Barbosa (aquele que está com tudo e não está prosa) só fecha relacionamento se a submissa aceitar um plano de carreira: Primeiro será mentorada dele, depois escrava e somente depois submissa. Aí ele a assume como sendo dele.
Voltando o relacionamento comum, teremos pessoas que simplesmente vivem. As negociações são feitas conforme a demanda e a necessidade.
Terceira vez que eles vão para a estrada e ela solta: - Putz, amor... Não gosto quando você começa a correr desse jeito e a cortar os carros quando chega muito perto... Dá para parar de fazer isso?
Ele: - Ah, amor... Passo um stress danado naquele escritório e só tenho isso para relaxar...
- Beleza, dá para, ao menos, não grudar no carro da frente?
- Dá!
Finito! Acabaram de negociar um acordo.
Quarta vez que ela pede carona e ele vai buscá-la no trabalho. Ela entra eufórica no carro, não o cumprimenta direito e quando vai pegar o smartphone para dar sequencia ao trabalho, ele pede dois minutos e solta:
- Então, não vai mais rolar eu te dar essa carona de sexta, linda... Você marca um horário e, independente do motivo, sempre chega uma hora e meia depois. E ainda chega no 220v cheia de trabalho para fazer. Que tal eu ir para casa e você passar a pegar táxi?
A não resposta dela deixou claro que não gostou, mas que ia acatar.
Quer saber? Eu penso que BDSM tinha que ser exatamente assim. Externa-se o que acreditamos ser mais hard e o restante vamos negociando durante o percurso.
E deixo minhas costumeiras perguntinhas:
Até que ponto uma negociação deve ser válida?
Gostou? O que impede de não iniciar e ir negociando?
A relação é BDSM. Até que ponto, qualquer um dos dois deve, num primeiro momento, colocar a vida comum como ponto de negociação?
Não sei, mas penso que “alguéns” está brincando com um termo tão sério e que foi criado para agilizar, auxiliar e proteger a ambos.