O Termo "bareback" ficou internacionalmente conhecido como gíria comum para a prática sexual (penetração) sem o uso de preservativo. O termo inglês literalmente significa "traseiro careca" e foi criado por alguns grupos de homossexuais masculinos dos Estados Unidos e da Europa, que se recusam a usar "camisinha" em suas práticas apesar de toda a enorme campanha internacional feita para prevenção da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) e demais doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Com o tempo, o termo passou a englobar outras práticas sexuais igualmente não seguras, como o contato direto com o esperma e secreções corpóreas. As razões que levam estas pessoas, atualmente já não apenas homossexuais masculinos, a praticarem o chamado "unsafe sex" (sexo inseguro) são as mais variadas possíveis e expõem cada vez mais indivíduos à crescente epidemia mundial. Avaliar estas causas e os argumentos apresentados, a favor e contrários, parece-me fundamental para uma conscientização maior do público em geral sobre os riscos que o "barebacking" inclui.
Inicialmente o principal argumento dos "barebackers" era uma revolta explícita contra a restrição das atividades sexuais em nome da epidemia de AIDS, então conhecida pejorativamente como "câncer gay" ou "peste cor-de-rosa". Na década de 80 o senso comum era de que apenas e tão-somente homossexuais masculinos estavam expostos a esta doença e passaram a ser sistematicamente discriminados pela população dita "normal", causando um retrocesso de séculos no lento processo de abertura e aceitação do homossexual pela sociedade. A década de 70, principalmente nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, foi marcada por uma explosão "gay", iniciada nos famosos "Stonewall Riots" que ocorreram em Nova York em 27 de Junho de 1969 e culminaram com a instituição desta data como Dia Internacional da Comemoração do Orgulho de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros. Seguiu-se a abertura de inúmeros bares e boates "gays" pelo mundo e organizações de enormes festas "gays" com muito sexo descompromissado. Não demorou muito até que a população heterossexual assumisse para si o mesmo comportamento liberal e assumido em relação à sexualidade humana e todas as suas infinitas possibilidades, rompendo com milênios de repressão sexual. Após 10 anos de liberação, o aparecimento da AIDS em 1981, não poderia deixar de ser sentido como um retorno radical à repressão, desta vez exclusivamente aplicada sobre os homossexuais. É compreensível que a população homossexual destas regiões liberadas do mundo protestassem. Porém, não é compreensível nem aceitável que esta mesma população protestasse justamente contra o uso da "camisinha", decidindo deliberadamente ignorar a epidemia mundial alarmante e expondo-se ao altíssimo risco de contrair uma doença até então inexoravelmente fatal. O resultado disto foi que no início da década de 90 entre os homossexuais masculinos os números de infectados, doentes e mortos eram imensos.
Paralelamente, havia sido identificado o HIV como o vírus causador da AIDS e que este poderia ser transmitido por contato sexual, transfusão de sangue e inoculação injetável, tal qual a hepatite viral tipo B. Foi justamente esta descoberta em associação ao quadro epidemiológico descrito que levou a Organização Mundial de Saúde (OMS), com o apoio de diversos países e de inúmeras Organizações Não-Governamentais (ONGs) em todo o mundo civilizado a iniciar uma campanha maciça em favor do uso do preservativo como única forma possível de controlar a epidemia avassaladora.
Estas campanhas foram feitas eminentemente tendo como público alvo os homossexuais masculinos. Felizmente a direção tomada não foi a repressão, mas sim a conscientização da população. Campanhas para o uso de seringas descartáveis entre os dependentes de drogas injetáveis, inclusive com a larga distribuição de material, também foram feitas. Um rígido controle de todo o material recebido em bancos de sangue em todo o mundo foi adotado. A preocupação das autoridades de saúde voltava-se para os ditos "grupos de risco": homossexuais masculinos, transfundidos e usuários de drogas injetáveis. Houve também um trabalho de descriminalização e descaracterização da homossexualidade como doença, que levou à abolição do item "homossexualismo" da Classificação Internacional de Doenças (CID) da OMS em 1994. Atualmente o termo "homossexualidade" refere-se então a qualquer pratica sexual, exclusiva ou não, entre pessoas de mesmo sexo, sem caracterizar nenhuma situação criminosa, patológica e/ou pejorativa. Já o termo "homossexualismo" traz em si este caráter estritamente criminoso, patológico e/ou pejorativo, devendo ter seu uso evitado. Em conseqüência, diversos países, entre eles a Inglaterra, que ainda teimavam em manter o "homossexualismo" como crime em seus códigos penais, acabaram voltando atrás e aceitando a homossexualidade.
Os resultados de todas estas medidas foram fantásticos: os números da AIDS caíram impressionantemente entre os homossexuais. Porém, um estranho fenômeno ocorreu: a incidência de infecções por HIV no meio heterossexual aumentou muito. As autoridades médicas perceberam então que a AIDS é uma doença que ameaça a humanidade como um todo e não está restrita aos tais "grupos de risco". O conceito de "grupo de risco" foi abolido e as campanhas de prevenção ganharam a população em geral através de todos os meios de comunicação disponíveis. A sexualidade humana e os preconceitos a ela relacionados estavam novamente postos em cheque. Muitas forças contrárias a esta nova abertura sexual se seguiram e usaram (como ainda usam) a AIDS como principal argumento em favor da discriminação sexual. Todas as facções moralistas e conservacionistas exerceram (e ainda exercem) forte pressão contrária a este movimento, querendo "empurrar" à força a AIDS de volta aos seus "grupos de risco".
Outra virada fenomenal no histórico da AIDS estava por acontecer: finalmente, após milhares de mortes tristes e inevitáveis, uma forma de combate à doença estava a caminho. O chamado "coquetel", associação de diversas drogas anti-retrovirais, mostrou-se altamente eficiente no controle e no tratamento da doença, criando mais um conceito novo: o de "soropositividade". Isto quer dizer que atualmente um indivíduo infectado por HIV não necessariamente desenvolve a AIDS e, mesmo se este já apresente alguns sintomas mais ou menos graves, poderá apresentar regressão do caminhar da doença e passar a ter uma vida absolutamente normal. Com o passar do tempo, rapidamente uma infinidade de medicações anti-retrovirais foram desenvolvidas, colocando à disposição da população e da classe médica uma longa lista de medicamentos eficazes no combate à AIDS, cada vez com menos efeitos colaterais e maior segurança. A AIDS parecia ser já um problema superado e solucionado pela Medicina contemporânea, fadada a perder seu "status" de "peste do Apocalipse" e entrar para o "hall" das doenças controláveis com a virada do século. Mas mudanças neste panorama ainda estavam por vir...
Com o início do Novo Milênio, toda uma geração que jamais havia tido contato direto com a AIDS atingiu uma faixa etária sexualmente ativa. Esta geração cresceu sendo superbombardeada pelas campanhas em favor do uso de preservativo e desenvolveu "imunidade" a elas, imaginando que a AIDS não deva ser "um monstro tão feio quanto pintam" ou que deva ser coisa de "viado". Toda esta nova geração se expõe aos riscos da AIDS e de outras DSTs por pura ingenuidade e desinformação. Toda uma geração alienada ainda por cima ignora sistematicamente a possibilidade de estar infectada, fechando seus olhos para possíveis sintomas, recusando-se a fazer testes e voltando suas costas para o tratamento anti-retroviral. Todos estes jovens, independentemente do sexo e da opção sexual, podem, a qualquer momento, desenvolver a AIDS e chegar a pontos irreversíveis da doença. Muitos morrem por isso...
Ao mesmo tempo, a população mais velha passou a enxergar a AIDS como uma doença desprovida de perigo e a imaginar que caso alguém seja infectado, a medicação anti-retroviral "dará conta do recado". Era a volta do "barebacking". Principalmente nos Estados Unidos e em especial em Nova York, orgias sexuais conhecidas como "conversion parties" (festas de conversão) começaram a acontecer e a se tornar a "última moda" em matéria da sexualidade do século XXI. Nestas "conversion parties" o grande objetivo assumido e descarado é o de tornar uma pessoa até então HIV-negativa em HIV-positiva. Qual é a razão que leva alguém a querer se tornar soropositivo? A razão é simples: a soropositividade é vista como uma libertação do sexo seguro, possibilitando uma volta incondicional à grande abertura sexual experimentada nos anos 70. Um soropositivo poderia, por este raciocínio, jogar para o alto as "camisinhas" e fazer tudo o que tiver vontade com quem bem entender. Depois, bastaria tomar direitinho sua medicação. Este raciocínio é um grande absurdo! Um soropositivo não está nem de longe liberado do "sexo seguro". Em primeiro lugar, este indivíduo pode ser fonte de contaminação para desavisados (que são muitos hoje em dia!). Em segundo lugar, mesmo se ele se relacionar com outros soropositivos, pode haver nova contaminação, acarretando aumento da carga viral e desencadeamento de queda de imunidade e sintomas. Em terceiro lugar, pode haver a aquisição de um tipo diferente de vírus do que ele já possuía inicialmente, por vezes resistente à medicação anti-retroviral em uso. Finalmente, há também o risco de se contraírem outras DSTs, tais como a sífilis, a gonorréia, o molusco contagioso (HPV), o cancro mole e tantas outras, nem sempre de fácil tratamento e nem sempre também isentas de riscos graves para seus portadores.
O FHR (Federal Health Research), órgão governamental americano, confirmou que muitos homens com comportamento homossexual, bem como agentes de prevenção ao HIV confirmam a informação de que a prática de sexo anal sem o uso de preservativo está se tornando mais e mais comum. Um estudo feito em 554 homens homo ou bissexuais residentes de São Francisco, Califórnia, revelou que 70% deles estavam familiarizados com o termo "bareback" e 14% assumiam abertamente ter praticado o "bareback", ao menos uma vez nos últimos dois anos. Como foi divulgado pela agência Reuters, os autores também descobriram que alguns destes homens praticaram o "barebacking" em relacionamentos sexuais extraconjugais.
Ainda no mesmo estudo, entre os homens HIV-positivos pesquisados, 22% declararam ser "barebackers" e 10% dos HIV-negativos também praticaram algum tipo de sexo inseguro nos últimos dois anos. Não há informações disponíveis de qual é o número de pessoas dentre a população em geral (não apenas entre homo e bissexuais masculinos) que pratica sexo inseguro ("bareback"), nem quais seriam as razões que levariam esta população a esta prática. Ao que parece a ciência continua a insistir na finada tese dos "grupos de risco"... Os autores deste estudo notaram ainda que dentre as razões apontadas pelo grupo estudado (homens homo e bissexuais de São Francisco) para justificar o "bareback", as mais freqüentes eram a maior sensação física do ato sexual e uma maior proximidade afetiva e emocional. No entanto, estas razões são de menor importância se colocadas lado a lado com informação de que a AIDS continua a ser hoje uma doença fatal se não for controlada adequadamente e absolutamente incurável.
Igualmente é importante lembrar que apenas 5% das pessoas com HIV/AIDS vivem nos países desenvolvidos e têm acesso aos anti-retrovirais desenvolvidos pelas empresas multinacionais e vendidos a preços altíssimos somente ao alcance de populações de países de alto poder aquisitivo.
Esses medicamentos anti-retrovirais foram desenvolvidos para estes 5%. Na África, onde reside a maior parte das pessoas com HIV/AIDS, o acesso a essas medicações não é uma realidade: são doentes absolutamente negligenciados. Felizmente aqui no Brasil há um programa exemplar de fabricação e distribuição gratuita de medicação anti-retroviral para pacientes soropositivos sob tratamento médico. Este programa levou nosso país a ser considerado pela OMS como exemplo mundial a ser seguido, mas, por outro lado, custou uma briga sem limites com as poderosas indústrias farmacêuticas multinacionais que se sentem lesadas pela quebra das patentes destas medicações. Esta guerra diplomática pode colocar, de uma hora para outra, fim a esta distribuição gratuita de remédios no Brasil e expor ao risco a vida de milhares de pessoas. Para piorar, as condições de atendimento médico em regiões afastadas dos grandes centros e/ou de baixa renda são tão precárias que impedem o acesso de muitos soropositivos tanto ao diagnóstico adequado, quanto ao acompanhamento médico.