ciumes

Você já se deparou com aquela situação em que o "TOP" quer as suas senhas das redes sociais?

Quando ele deseja saber com quem você conversa e por quê?

Quando proíbe você de conversar com pessoas do meio, de participar de grupos de discussão, ou quando deseja inspecionar o seu celular para saber o que você faz?

E o outro lado?

Aquele lado em que o "bottom" não pode sequer ouvir falar em irmãs de coleira que ele já entra em colapso?

Bom, vamos entender um pouco dos motivos pelos quais tudo isso acontece.

Na verdade, como sempre, o grande vilão de nossa história é o ciúmes. Apesar de nocivo, o ciúmes é extremamente importante na nossa experiência humana. Ele é tão importante que é retratado em quase todas as obras da literatura, cinema ou teatro. O ciúmes não é somente uma questão cultural; ele é uma reação emocional de origem biológica.

As regras podem mudar em relação aos comportamentos que são aceitos, os comportamentos que causam desconfiança, mas o fato é: o ciúmes é biológico. Homens e mulheres são igualmente ciumentos, apenas diferindo na forma como ele se manifesta para esses dois gêneros. Diversas experiências já mostraram que se uma mãe manipula um determinado objeto inanimado, uma criança fica indiferente. Mas se essa mãe se ocupa de outra criança, o filho passa a ter ciúmes. Esses experimentos demonstram que o ciúmes, do ponto de vista evolutivo, é uma manifestação biológica inata. Muita gente costuma romantizar os ciúmes, dizendo que é um sinal de amor. Não é!

O ciúmes é uma emoção negativa. Ele tem nas suas bases a insegurança e a baixa autoestima, além de ser alimentado pela desconfiança e pelo medo.

E por quê as pessoas sentem ciúmes?

O ciúmes, primeiramente, é uma reação de medo. É o medo do abandono, medo de perder algo que você acredita ser seu. O ciúmes tem muito a ver com a relação de apego e ódio. E esse ódio não é do objeto; esse ódio é de estar tendo a sensação de estar perdendo o objeto.

O ciúmes tem a ver com aquele desejo de "se está bom, essa situação tem de ser sempre assim. Eu não quero mudar porque eu gosto dessa pessoa e está definido". Tipo: "eu quero manter essa pessoa comigo do jeito que eu quero". Esse é o medo da perda.

Como no BDSM geralmente a posse é vista por muitos como um objeto, esse sentimento se amplifica de forma irracional, muitas vezes privando o outro de amizades ou de relacionamentos.

O ciúmes é uma reação de medo, medo do abandono, medo da perda e, consequentemente, medo da humilhação e orgulho ferido. O ciumento, no fundo, é alguém frágil que perdeu a capacidade de despertar o desejo do outro e teme pela proximidade de um terceiro.

Certos "TOPs" têm verdadeiro pânico ao pensar que suas posses podem trocá-los por outro. Muitos "bottoms" surtam quando percebem que o "TOP" tem a intenção de colocar uma terceira pessoa nessa relação.

O ciúmes é um sentimento universal. Está presente nos mais diferentes povos e raças. Estudos já avaliaram várias pessoas de diferentes culturas, como na Índia, Japão, Brasil, México e Estados Unidos, e chegou-se à conclusão de que em todas as culturas existem ciúmes.

Em outras palavras, em relação aos homens, a mulher ao longo do tempo aprendeu a desenvolver o ciúmes mais emocional do que sexual. O ciúmes de infidelidade emocional, ou seja, elas ficam mais preocupadas e mais feridas quando acreditam que o seu parceiro está se envolvendo emocionalmente com outra mulher. O peso que elas dão a esse envolvimento emocional é muito maior do que o dado ao saber que o parceiro teve sexo com outra mulher ou possa vir a ter, ou que ele tenha se sentido atraído fisicamente.

A maior preocupação da mulher é o vínculo afetivo. Já no homem, é o contrário. A maior preocupação do homem é imaginar que a mulher está tendo sexo com outro homem, a infidelidade sexual.

A mulher é mais sensível à infidelidade emocional e o homem é mais sensível à infidelidade sexual.

E qual é a explicação para isso?

Vamos voltar aos primatas, aos hominídeos, aos homens das cavernas. Segundo a etologia (ciência que estuda as origens, comportamentos humanos e animais), todas as características que temos se mantiveram ao longo de milhões de anos de evolução. Se essas características persistiram até hoje, é porque tinham algum propósito.

Esse propósito era, de alguma forma, aumentar as chances de sobrevivência do ser humano. A infidelidade sexual do homem, por exemplo, provém do desejo de garantir, por meio da fidelidade sexual da mulher, que os filhos que ele cuidará são realmente seus e que não está facilitando a propagação dos genes de outro homem. Por isso, ideologicamente, o homem é mais sensível à infidelidade sexual.

No caso das mulheres, o ciúmes seria um importante fator diferencial para garantir um protetor para si e para sua prole. Em épocas ancestrais de frio, estiagem e escassez de alimentos, onde as possibilidades de sobrevivência eram baixas, era crucial fixar um macho que cuidasse do filho e a protegesse. Assim, em relação aos homens, a mulher ao longo do tempo desenvolveu mais ciúmes emocional do que sexual.

Se o homem desse um “pulinho aqui”, um “pulinho ali”, ela não se preocuparia tanto, pois isso não ameaçaria a sua sobrevivência. No entanto, envolver-se com outra mulher faria o homem ir embora para proteger a outra fêmea. Essa é uma explicação biológica do motivo pelo qual o ciúmes varia tanto de acordo com o gênero.

Retornando aos tempos atuais, a medicina tenta classificar o que é considerado "ciúmes normal", "ciúmes obsessivo" e "ciúmes delirante". Entre o "ciúmes normal" e o "ciúmes obsessivo", não há uma diferença clara, é uma questão de graduação.

  • Por que a medicina se ocupa dos ciúmes?
  • Por que a psiquiatria se ocupa do ciúmes?

Porque o ciúmes está associado à separação, violência, risco de homicídios, suicídios, risco de violência física, psicológica e sexual. O ciúmes é um problema social importante, pois expõe a fraqueza do indivíduo.

O ciúmes está mais associado às características da personalidade do que às características do parceiro. Não depende do comportamento do parceiro, mas sim da situação psicológica e constituição psicológica da pessoa. Isso envolve o histórico de vínculo, a experiência na infância com alguém em quem se podia confiar. Isso molda a visão que a pessoa tem de si mesma, e uma base estável torna a pessoa menos ciumenta, pois a base é ela, não o outro.

Pessoas bem resolvidas, sem inseguranças, não se incomodam se o parceiro olhar ou conversar com outros. Estar bem consigo mesmo é o grande diferencial. Em contrapartida, pessoas com "ciúmes crônico", devido a um histórico de infância ruim, têm baixa autoestima e veem o parceiro como alguém que não podem perder, resultando em insegurança e interpretação negativa de todas as ações do parceiro.

E também há o "ciúmes delirante".

O delírio é uma crença falsa, mas inabalável, que não muda, mesmo diante de constatações óbvias. O "ciúmes delirante" é também chamado de “Síndrome de Otelo”, em referência à peça de William Shakespeare, "Otelo, o mouro de Veneza". Na trama, Otelo, um general negro, casa-se com Desdêmona, filha de um senador que lhe deu a oportunidade de escolher o marido. O senador não esperava que ela escolhesse um homem mais velho e negro, especialmente considerando a época (século XV). Na história, há um personagem chamado Iago, um alferes que aspira ser tenente e espera a promoção de Otelo, que opta por um amigo, chamado Cássio.

Iago, não conformado, planeja vingança contra Cássio e Otelo. Ele envenena a mente de Otelo sobre uma possível infidelidade de Desdêmona com Cássio, armando uma trama tão bem elaborada que Otelo, cego de ciúmes, acaba acreditando e, por consequência, mata Desdêmona. Mais tarde, descobre-se que tudo foi um plano de Iago como vingança. Otelo, tomado pelo ciúmes obsessivo, pega a esposa morta e se suicida, resultando na conhecida "Síndrome de Otelo".

Para finalizar, como o ciúmes é algo presente em todos os relacionamentos, é essencial estar atento durante a negociação. Observe que tipo de possessão seu parceiro propõe para a relação e converse abertamente sobre isso.

Se você for "TOP", analise cuidadosamente a questão que muitos "bottoms" colocam sobre a inclusão ou não de uma terceira pessoa na relação. Nem sempre isso indica "ciúmes obsessivo", mas é válido ficar atento a essa possibilidade.

Não são raros os casos de perseguição de ambos os lados após o término da relação. "Bottoms" movidos por ódio e vingança podem destruir a reputação de "TOPs", e "TOPs" podem perseguir com ameaças e chantagens, incapazes de lidar emocionalmente com a rejeição.

Portanto, o ciúmes é algo presente em todos nós. A grande questão é como lidamos com ele.

Reflitam sobre isso para que o relacionamento não seja afetado por comportamentos muitas vezes inconscientes.