Depravação? Libertinagem? Bizarrice? Longe disso: as fantasias sexuais são saudáveis. Anormal é não ter nenhuma.

Fantasias , relaxe e goze

Patrícia atinge rapidamente o orgasmo quando imagina estar sendo estuprada. Carlos gosta de pensar que está transando com uma garota de 16 anos. João vai às alturas quando pede para prostitutas urinarem nele. Para se excitar, Patrícia, Carlos e João lançam mão de fantasias sexuais. Você pode achar esses personagens um pouco pervertidos – fomos acostumados a pensar que tipos como eles devem carregar alguma patologia. Tente olhar no espelho: você nunca teve uma fantasia? Vamos lá: você prefere um companheiro(a) de coxas grossas e peito grande, ou um parceiro(a) frágil, minhonzinho? Você se liga mais numa figura que tome a iniciativa ou curte uma pessoa mais passiva? Temos preferência por traços físicos e temperamentais e isso não acontece por acaso. Elas também implicam alguma forma de fantasia. Em maior ou menor escala, quando o negócio é sexo, todos nós recorremos a fantasias, mundanas ou bizarras. O legal é saber como elas funcionam e tirar o maior proveito da situação.

Esse mundo onírico é criado por nós, voluntária ou involuntariamente, para compensar as forças negativas, “broxantes”, que brotam dos nossos medos, culpas ou preocupações. São sentimentos que a gente carrega desde a infância. Se você sente vergonha do seu corpo, por exemplo, fica difícil relaxar e curtir o sexo. Digamos que você se preocupe demais com o prazer do outro: o risco é esse tormento tomar conta e você esquecer o próprio tesão. Ou então vai que você se sinta um egoísta, ou até meio bruto, na hora do vamos ver: aí vem a culpa e derruba sua libido. Na cabeça, você ainda pensa em transar, certo? Mas o que fazer se um ou outro desses sentimentos joga o tesão para escanteio?

É aí que entram a Madonna, o Brad Pitt, as algemas, a roupa de couro... Com a fantasia, você “esquece” a vergonha, a preocupação ou a culpa. O funcionamento desse processo, segundo o psicanalista americano Michael J. Bader, autor de Arousal: The Secret Logic of Sexual Fantasies (Excitação: a lógica secreta das fantasias sexuais, ainda inédito no Brasil), é o seguinte: a fantasia ajuda a criar um ambiente no qual nos sentimos seguros para deixar aflorar nossa excitação. Segurança, como se sabe, é tudo o que sempre buscamos desde o nascimento. E segurança emocional é uma das metas mais preciosas. O conceito de segurança é a base da teoria da excitação sexual de Bader.

As fantasias, portanto, são saudáveis, libertadoras. “O fato de que atitudes não-convencionais como sadomasoquismo, exibicionismo ou fetichismo podem excitar algumas pessoas é uma prova do poder criativo da psique humana de dar prazer a si mesma das maneiras mais incomuns, enquanto se mantém protegida”, afirma Bader. O exercício da fantasia, no plano mental ou no plano prático, varia de pessoa para pessoa, mas ninguém ao certo sabe por que alguns indivíduos põem seus devaneios em prática e outros, não. Em parte, isso depende da densidade dos conflitos individuais e mesmo do grau de iniciativa de cada um. Mas, segundo o psicanalista, uma fantasia nem sempre deve redundar em uma experiência real.

No caso de partir para a prática, o ideal é que os parceiros tenham intimidade suficiente para se sentir à vontade – isto é, liberados para pensar na própria excitação, mesmo que isso acarrete ser rude, bruto. “A excitação sexual requer inerentemente uma capacidade de ser egoísta, de virar as costas para o bem-estar do outro, de ser todas as coisas que uma pessoa culpada cresceu acreditando serem ruins e perigosas”, diz Bader.

A teoria

Afinal, o que há de tão ruim e perigoso na infância que devemos combater? Na infância, consolidamos o que Bader, citando o psicanalista Joseph Weiss, descreve como crenças patogênicas. São convicções irracionais, inconscientes, que agem contra nossos interesses – comportamentos autodestrutivos, por exemplo –, que introjetamos quando nos deparamos com o perigo de perder a proteção dos pais, seu amor. Desde cedo, fazemos de tudo para deixar nossos pais felizes e evitar assim uma eventual ruptura com eles. Por exemplo, se o pai é negligente, a criança sente ameaçada a ligação que os une. O que ela faz? Ela acaba mudando as únicas coisas sobre as quais tem controle: seus pensamentos e sentimentos. Ela tenta fazer o ambiente parecer normal para se sentir segura nele. No caso citado, ela passa a achar natural a falta do pai. “Ela passa a achar que solicitar uma atenção especial é proibido, é pedir demais”, diz Bader.

“Não só aceita a negligência, como faz parecer que a culpa é dela, não de seus pais. Parece que ela quer demais.” Assim, a criança busca manter a segurança no relacionamento familiar. “Essas experiências fazem surgir crenças patológicas que nos induzem a pensar que, se perseguirmos nossos objetivos, estaremos arriscando a ligação com nossos pais ou ameaçando nossa segurança psicológica”, afirma o psicanalista. É sabido, por exemplo, que crianças que sofrem abuso dos pais se negam a condená-los. Por quê? Isentando os velhos, não há como perdê-los.

A sensação de culpa é apenas uma dessas crenças patogênicas. Vergonha, rejeição, desamparo e autodestruição são outros sentimentos da lista. Há duas culpas mais comuns: a) de magoar a quem amamos se formos mais felizes ou mais bem-sucedidos que eles; b) de ferir ou esvaziar nossa família se a deixarmos.

O que isso tem a ver com sexo? Com maior ou menor intensidade, todo mundo revive o passado no presente. E, conforme a teoria de Bader, a excitação sexual depende da nossa capacidade de nos centrarmos em nós mesmos, de sermos momentaneamente egoístas. Mas como conseguir isso, se o nosso passado de culpas nos assombra nessa hora? Ao nos sentirmos culpados, nos inibimos, e aí a conquista do prazer vira um martírio.

Segundo o psicanalista, o apego aos próprios devaneios e, por extensão, uma certa “coisificação” do parceiro são necessários para a excitação – mas também é preciso pegar leve com esses sentimentos. Para atingir o prazer máximo, diz ele, o ideal é haver uma certa tensão entre ser egoísta e cuidadoso, entre usar o parceiro e dar prazer a ele. O problema surge quando um dos envolvidos não consegue nenhum grau de impiedade, de rudeza.

Fantasias mais comuns

Não há como associar automaticamente uma fantasia específica a um determinado conflito psicológico. Ainda assim, e mesmo advertindo que generalizações são um passo para o erro, Bader afirma ser possível estabelecer alguns padrões.

Preferências por tipos físicos

• Homens altos: simbolizam força, alguém que dificilmente será ferido ou magoado e de quem o parceiro pode depender. Para uma mulher que suspeita poder esmagar um cara (em vários sentidos), esse atributo a deixaria bem mais tranqüila para curtir o próprio tesão.

• Mulheres gordas: podem simbolizar fartura, abundância, fertilidade. Uma pessoa que se excita com esse biótipo imagina que a mulher tenha muito a dar, especialmente em atributos maternos; que seja alguém capaz de neutralizar seus sentimentos de privação. Para ele (ou ela), essa mulher pode ser uma pessoa tão cheia de recursos que é incapaz de ser ferida, daí mitigando seu sentimento de culpa. Ele (ou ela) também pode pensar: “Com esse tamanho, ela não tem do que reclamar...” e se sentir mais leve para se excitar.

• Peitos grandes: também podem simbolizar a mulher com muito para dar, compensando sentimentos de privação e desligamento. Homens com certo desdém secreto por mulheres – que se sentem culpados por esse sentimento – podem inconscientemente exagerar sua admiração pelo atributo mais óbvio da feminilidade, os seios.

• Pênis grande: esse fetiche simboliza, antes de tudo, força. Um homem forte neutraliza várias culpas. Mais: quando uma pessoa fala em “ser arrombada” ou “preenchida”, pode estar tratando com simbolismos de satisfação, abastecimento, cuidado – sensações que combatem sentimentos de privação.

• Deformações, mutilações e invalidez: para homens, uma mulher inválida pode diminuir sentimentos de culpa inconsciente, uma vez que, já incapacitada, na fantasia ela não mais pode ser machucada. O processo mental que funciona aqui é o mesmo que se passa na cabeça de quem se excita com mulheres gordas: sem atrativos extras, as parceiras não teriam do que reclamar, deixando o homem com menos medo de rejeição. As mulheres que sentem atração por homens inválidos ou “defeituosos” se deixam levar pelo mesmo astral psicológico, com um adendo: homens incapacitados não podem feri-las, o que lhes permite se excitar em segurança.

• Mulher que se excita com gays: ela pode se sentir sexualmente mais agressiva, já que supõe que sua iniciativa não terá reciprocidade. São mulheres que sentem medo de serem subjugadas ou rejeitadas e também de surpreender negativamente o homem com a força da sua sexualidade. Há ainda o fator desafio: a mulher se sente especialmente atraente se conseguir fazer um homossexual agir como heterossexual.

Voyeurismo

Olhar outros transando é só uma das maneiras de o voyeur se motivar. Ele pode se excitar com uma simples espiada por baixo da saia de garotas ou espreitá-las na intimidade. O que rola nesses casos? A excitação da “espiadinha” reside, primeiro, no fato de que aquilo é proibido. A mulher estaria entregando seus segredos. Segundo, o voyeur é um cara que pode carregar culpa por se interessar pelo corpo feminino: a mulher, na cabeça dele, se sentiria ofendida por tal demonstração. Sabendo que a moça não vai perceber o que ele faz – e assim não pode se opor –, a culpa vai para o espaço. Não só a culpa, mas também a rejeição pode ser o motor do voyeur. Algumas crianças acham que não são bem-vindas no contato com a mãe e sentem-se rejeitadas. Na fase adulta, esse sentimento é compensado pela espiadinha. Ou seja, é um momento roubado de uma mulher, antes negada a ele. Com o sentimento de rejeição neutralizado, a excitação ganha corpo.

Sexo grupal

O ménage à trois, com um homem e duas mulheres, é a forma de sexo em grupo mais conhecida, mas há inúmeras variações. O que se depreende do sexo em grupo é:

• A pessoa que fantasia está buscando atenção, portanto tentando derrubar a crença patogênica de que não merece ser admirado, amado.

• O fato de transar com vários ao mesmo tempo pode mitigar o sentimento de culpa que algumas pessoas têm por sobrecarregar o parceiro com seu apetite sexual.

• Com a presença de dois homens, a suposta responsabilidade de satisfazer a mulher é dividida.

• Se a responsabilidade de um parceiro sobre o prazer sexual do outro diminui, o perigo de rejeição cai na mesma proporção.

• Quando um homem assiste a uma cena lésbica, ele não está diretamente envolvido, portanto ele não corre o risco de falhar.

• Se um homem ou mulher tem desejos homossexuais, mas se sente culpado por isso, olhar ou participar de sexo grupal pode ser um caminho para driblar essa culpa.

Todas essas situações favorecem a segurança psicológica do integrante, o que o libera para sentir prazer.

Homem que veste calcinhas

É provável que ele esteja tentando superar a culpa por exercer algum poder, por exercer sua masculinidade. E por que se sente culpado dela? Talvez por ter crescido com um pai fraco ou inútil ou uma mãe infeliz e invejosa dos homens. Quando criança, pode ter encontrado dificuldade para sentir orgulho da sua masculinidade, pois inconscientemente estaria magoando seus pais. Por exemplo, um filho pode crescer culpado por se sentir superior a uma mãe sobrecarregada ou oprimida, e, mais tarde, às mulheres em geral. E como vestir calcinha resolve o pepino? Por um processo chamado pelos psicanalistas de “identificação com a vítima”. Como a masculinidade em vários momentos tem sido equiparada ao ato de oprimir a mulher, as calcinhas fazem esse homem assegurar às mulheres – originalmente sua mãe – que ele, em particular, não é superior. Com a culpa aliviada, a ereção começa a surgir.

Fraldas e comportamento de bebê

Sabe-se que um bebê deve receber atenção e tem o direito de ser egoísta. Sim, mas o que isso tem a ver com um cara ou uma mulher que gosta de vestir fraldas e de ser tratado como bebê (os homens, até mesmo, mamando)? A chave está na ausência de responsabilidade – especialmente a de fazer a mulher feliz, meta que pode ser pesada e angustiante. Quando “amamentado”, o homem se sente numa situação psicológica confortável para pedir e receber algo de uma mulher – sem culpa ou vergonha.

Exibicionismo

Por que, afinal, filmar a própria transa ou se exibir para uma câmera excita? Porque a pessoa se sente gratificada pela atenção. Aqui, identifica-se uma tentativa de controlar sentimentos de rejeição e descaso. Uma pessoa que não foi o foco da atenção dos pais, por exemplo: ser olhada por uma câmera compensa a sensação de que não é merecedora de atenção, o que lhe permite o florescimento do tesão.

No caso dos flashers (homens exibicionistas que gostam de chocar mostrando a genitália a mulheres), a coisa é uma pouco diferente. O cara pode estar querendo controlar justamente sua vergonha. Como? Da mesma forma que gente que sente medo de altura salta de bungee jump para domar seu temor. O sujeito que mostra o pênis – a fonte da sua vergonha, insegurança – pode estar tentando controlá-la. Uma segunda leitura sugere que exibicionismos desse tipo podem ser um ato de compensação pelo fato de o sujeito ter sido rejeitado ou não ter recebido a devida atenção dos pais. Com um “flash” da sua genitália, ele provoca choque, nojo e medo da mulher. Deixa de ser, ainda que por alguns momentos, invisível ou negligenciado. A partir daí, se sente seguro para se excitar.

Estupro

Mais comum nos homens, a fantasia do estupro ocorre de duas maneiras. Na primeira, a mulher a princípio luta contra a agressão, depois acaba gostando e goza. O significado: o “estuprador” está tentando controlar sentimentos de culpa por magoar ou ferir outras pessoas, geralmente mulheres. Ele cria uma fantasia em que parece estar machucando a parceira, mas, na realidade, não está – afinal, ela aceita a agressão e não se fere. A outra forma de fantasia com estupro não depende da excitação da mulher. A carga erótica é justamente depositada na agressão. O estuprador se excita não porque supera a culpa, mas porque tem o poder de ferir e amedrontar a mulher. Essa pode ser a fantasia que motiva a maioria dos estupros reais. Nesse caso, ocorre o que os psicanalistas chamam de “identificação com o agressor”.

O estuprador, na fantasia ou na realidade, está fazendo à mulher aquilo que ele já vivenciou, de alguma maneira. Ao se tornar o agressor, ele pode sentir-se momentaneamente aliviado do medo e do desamparo (de que foi vítima), que são inimigos da excitação.

Mestre e escravo

É uma fantasia similar à do estupro – isto é, o mestre age de forma egoísta e rude, sem conseqüências negativas, sem dor de consciência e superando a culpa, já que a vítima também fica excitada. Mas aqui há uma outra dinâmica, crucial em qualquer relação sexual: o mestre e o escravo dão um ao outro uma atenção e um reconhecimento especial, que neutralizam a eventual sensação de alguém se achar pouco importante (resultado de rejeição, por exemplo). Mesmo o escravo, que prefere receber atenção negativa a ser ignorado.

Estupro coletivo

Filmes pornográficos abusam dessa fantasia. Aqui, vê-se a mesma fonte libertadora da excitação sexual: a segurança. A responsabilidade se transfere do indivíduo para o grupo. Na fantasia, ao contrário da violência levada à prática, o estupro se torna um ato consensual entre uma mulher promíscua e vários homens. E isso é o que deixa os homens à vontade para expressar a sua sexualidade sem medo de ferir a mulher.

Escatologia

Alguns homens sentem-se excitados sexualmente pelo fato (real ou imaginário) de alguém, normalmente uma mulher, urinar (golden shower) ou defecar (brown shower) sobre eles. Um garoto que cresce sentindo-se culpado por desprezar a mãe ou se envergonhar dela reverte essa situação dolorosa ao expor a si próprio como objeto de desprezo e degradação. Urina e fezes são a representação simbólica do sentimento de hostilidade que uma vez foi dirigido a uma mulher, mas agora estão sendo recebidos de uma mulher.

Resumindo: nos jogos amorosos, vale tudo para vencer os medos e sentimentos broxantes. E, convenhamos: depois de ver os caminhos que a excitação de cada um percorre para vencer o medo e a culpa, aquela sua fantasia já não parece tão estranha ou merecedora de culpa, não?

 

Frases
Submissão, entrega, sadomasoquismo e outras taras: vale qualquer coisa para pôr para escanteio os sentimentos que atrapalham o prazer sexual
Voyeurismo: quem gosta de olhar quer, na verdade, livrar-se da culpa adquirida na infância
Algumas fantasias sexuais estão tão impregnadas no imaginário coletivo que já se confundem com sexo. Que homem não se excita ao ver esta imagem?
Brincar de escravo e mestre pode parecer rude, mas os papéis permitem a cada amante curtir o próprio prazer
A fantasia cria ambientes seguros para deixarmos aflorar a excitação
 
Para saber mais
NA LIVRARIA
Arousal: The Secret Logic of Sexual Fantasies, Michael J. Bader, Dunne Books, 2002