Prenda as minhas pernas com uma corda de algodão, assim não poderei caminhar. Prenda também os meus pulsos, assim não poderei afastá-lo de mim. Ponha-me na cama e amarre meu corpo com uma corda, quero senti-lo em minha carne. Agora tenho certeza absoluta de que relutar será inútil, sei que devo ficar deitada aqui e me submeter à sua boca, língua e dentes. Devo me submeter às suas mãos, às suas palavras e aos seus caprichos. Eu existo unicamente para ser o seu objeto de prazer, estou totalmente exposta.
A cada 10 pessoas que lerem esse texto, uma ou mais já experimentou alguma forma de sadomasoquismo. Psicólogos e etnógrafos estudam o sadomasoquismo pelo mundo inteiro. Segundo Charles Moser, Ph.D no Instituto de estudos avançados sobre a sexualidade humana em São Francisco, “o fenômeno do sadomasoquismo é mais comum entre homens e mulheres mais instruídos, geralmente de classe média alta”. Charles faz pesquisas sobre o assunto a fim de descobrir e entender as motivações que levam à prática do sadomasoquismo. Todos os dias tenta chegar um pouco mais perto da razão pela qual algumas pessoas sentem prazer ao serem amarradas e chicoteadas.
Para James, o desejo se tornou evidente quando ele ainda era uma criança. Ao brincar com jogos de Guerra, sentia sempre um intenso desejo de ser capturado, e tinha medo de que isso fosse algo doentio. Sua primeira experiência com o sadomasoquismo aconteceu após uma festa da faculdade, uma professora o levou para casa e amarrou-o na cama, disse que ele era um garoto muito mau por ter esse tipo de desejo, no entanto, ela o satisfez. Pela primeira vez ele experimentou o que até então só havia fantasiado na imaginação, e sentiu o que havia lido em todos aqueles livros sobre sadomasoquismo.
James agora é um adulto, pai e gerente. Tem uma personalidade intensa que pode ser percebida através de seu olhar, da sua postura, e até mesmo na sua voz profunda. No entanto, quando está praticando sadomasoquismo, seu olhar adquire uma espécie de passividade, é como se tivesse sob efeito de algum calmante, a cada golpe sente uma imensa paz e aguarda obediente pelas ordens de sua amante. “Algumas pessoas precisam ser amarradas para se sentirem livres” disse ele.
A experiência de James ilustra muito bem o que é o sadomasoquismo. Essa prática envolve uma relação de poder e submissão entre duas pessoas, estabelecida através da imposição da dor. Mas o componente essencial não é a dor em si mesma, ou a própria escravidão, mas a consciência de que você está sob o completo controle do outro. O dominador da relação impõe o que você irá ouvir, fazer, provar ou sentir. Algumas experiências envolvem derramar gotas de cera quente sobre o corpo do dominado, açoitamento, cordas, espartilhos, humilhação sexual e gritos de dor e prazer.
Por muitos anos as pessoas que se envolviam com experiências de espancamento, aprisionamento e humilhação em busca de prazer sexual foram consideradas doentes mentais. Mas em 1980 a Associação Americana de Psiquiatria removeu o Sadomasoquismo da categoria de desordens mentais. Essa decisão, bem como a decisão de remover o homossexualismo da categoria de desordens mentais em 1973, foi um grande passo para a aceitação de pessoas com desejos sexuais diferentes dos tradicionais.
Esses desejos têm se tornado cada vez mais comuns e são considerados até mesmo saudáveis por alguns especialistas. Segundo eles, existe um grande valor psicológico envolvido nas práticas de sadomasoquismo, pois algumas pessoas não conseguem obter através do sexo tradicional a mesma satisfação obtida através da relação sadomasoquista. “A satisfação obtida a partir do sadomasoquismo é algo muito maior do que apenas sexo”, explica Roy Baumeister, psicólogo social da Universidade Case Western Reserve, ele diz ainda que nessas experiências ”as pessoas podem experimentar uma completa libertação emocional”.
Embora a maioria das pessoas relatem que a experiência foi melhor do que o sexo tradicional, o objetivo do sexo sadomasoquista não é o intercurso em si: “Um bom sexo sadomasoquista não termina em orgasmo, mas sim em catarse”.
Se a criança quando ainda pequena presenciar o intercurso sexual, ela inevitavelmente irá considerar o sexo como uma forma de subjugação. As crianças veem isso de uma maneira sádica. – Sigmund Freud, 1905.
Freud foi um dos primeiros a discutir o sadomasoquismo dentro de um viés psicológico, se dedicou ao assunto durante vinte anos e suas teorias acabaram formando contradições entre si. Mas havia uma constante: O sadomasoquismo é patológico. Segundo Freud, as pessoas se tornam sádicas porque procuram uma maneira de exercer o desejo de controlar sexualmente outra pessoa. Já o masoquismo, o desejo de submeter-se sexualmente à outra pessoa, surge de uma culpa sobre o desejo de dominar. Ele também argumentou que o desejo pelo masoquismo surge quando um homem quer fazer um papel passivo feminino na cama, assim gosta de ser amarrado e espancado, como uma forma de “ser castrado ou copulado”.
A visão de que o sadomasoquismo é patológico foi desmentida pela comunidade de especialistas em saúde mental. O sadismo sexual é um problema real, no entanto, é diferente do sadomasoquismo. Luc Granger, chefe do departamento de psicologia da Universidade de Montreal, criou um programa de tratamento intensivo para agressores sexuais em “La Macaza”, uma prisão em Quebec. Ele também realizou uma pesquisa sobre a comunidade sadomasoquista. Segundo ele, são populações muito distintas, no sadomasoquismo existem regras e consenso entre os envolvidos, já no sadismo sexual a pessoa sente prazer ao machucar ou controlar completamente uma pessoa indefesa.
Lily Fine, uma dominatrix profissional que dá aulas sobre sadomasoquismo em oficinas por toda a América, diz que “Eu posso até machucar, mas não vou chegar a ferir realmente a outra pessoa, nunca irei forçá-la além do seu limite ou causar algum dano grave como uma infecção”.
Apesar das pesquisas indicarem que o sadomasoquismo não causa danos reais e que não seja uma patologia, os psicanalistas sucessores de Freud ainda usam termos referentes a doenças mentais quando discutem o assunto. Sheldon Bach, professor de psicologia na Universidade de Nova Iorque e analista de supervisão na Sociedade Novaiorquina Freudiana, afirma que as pessoas são viciadas em sadomasoquismo. Elas sentem-se compelidas a “serem abusadas por sexo anal, rastejar de joelhos para lamber um pênis ou uma bota, e sabe lá mais o que”, o problema, ele continua, é que “essas pessoas são incapazes de amar e o sadomasoquismo foi a única forma de amor que elas encontraram, porque estão presas em interações sadomasoquistas que imitam as relações que tiveram com um de seus pais”.
Meredith Reynolds, Ph.D em sexualidade e membro do Conselho de Pesquisas Científicas e Sociais, afirma que as experiências vividas na infância moldam a maneira como a pessoa buscará prazer nas suas relações sexuais. ”A sexualidade não surge na puberdade”, diz ela “assim como outras áreas da personalidade, ela começa a se desenvolver desde o nascimento e é amadurecida ao longo da vida”.
Em seu trabalho sobre a exploração sexual em crianças, Meredith demonstrou que embora as experiências sofridas na infância possam influenciar na vida sexual adulta, o efeito disso geralmente vai embora conforme a pessoa adquire mais experiências sexuais. No entanto, em algumas pessoas esse efeito permanece, o resultado disso é uma conexão entre as memórias da infância misturadas com as experiências sexuais da vida adulta. Nesses casos, Meredith diz que “as experiências vivenciadas na infância afetaram a personalidade da pessoa e, por sua vez, as experiências na vida adulta também”.
A Teoria de Meredith nos ajuda a compreender melhor o desejo de ser chicoteado, por exemplo, por uma criança que foi ensinada a sentir vergonha do seu corpo e desejos. E mesmo quando ela crescer e tiver mais experiências sexuais, sua personalidade pode ainda ter traços daquela necessidade de punição desenvolvida na infância, então o sexo sadomasoquista pode agir como uma ponte para que ela se sinta completa: amarrada à cama com cintos de couro, ela sabe que é inútil resistir e é forçada a ser completamente submissa. O sistema de retenção, a inutilidade da luta, a dor, as palavras de seu Mestre dizendo que ela é uma escrava amável, todos esses sinais permitem que ela se ligue ao seu lado sexual de forma completa.
Marina não sentia nenhum desejo pelo sadomasoquismo até superar um grave transtorno alimentar. “Uma noite pedi ao meu marido que colocasse as suas mãos em volta do meu pescoço e me sufocasse. Fiquei surpresa quando essas palavras saíram da minha boca”, disse ela. Depois que deu ao parceiro total controle sob seu corpo, sentiu que podia ser completamente sexual, sem a hesitação e desconexão que às vezes sentia durante o sexo tradicional. “Ele não gostava de sexo sadomasoquista, mas agora estou com alguém que gosta”. Marina ainda diz que “o sexo sadomasoquista torna a rotina sexual muito melhor, porque ela pode confiar mais nele e sente-se totalmente livre para falar o que quiser”.
A Teoria da fuga
“Assim como o abuso alcoólico, a compulsão alimentar e a meditação, o sexo sadomasoquista é uma forma que as pessoas encontraram para se esquecerem de si mesmas por um período curto de tempo”, diz o professor de psicologia Roy Baumeister. ”É da natureza humana a maximização do controle. Existem dois princípios gerais que governam o estudo do eu, e o masoquismo é o contrário desses dois princípios”, afirmou Baumeister, cuja carreira é focada no estudo do eu e da identidadee.
Através de uma análise de várias cartas relacionadas ao sexo sadomasoquista, Baumeister chegou a acreditar que “o sadomasoquismo é um conjunto de técnicas que ajudam as pessoas a perderem suas próprias identidades temporariamente”. Ele argumentou que o ego ocidental moderno é uma estrutura incrivelmente elaborada, a nossa cultura tem colocado cada vez mais demandas sobre o “eu individual” do que qualquer outra cultura na história. Tais demandas aumentam o estresse de viver sob expectativas constantes e ao mesmo tempo existir como a pessoa que você quer ser. “O estresse faz você se esquecer de quem é, e você sente a necessidade de ter uma válvula de escape” diz Baumesteir. Essa é a chamada “Teoria da fuga”, uma das principais razões pelas quais as pessoas se voltam para o sadomasoquismo.
“Nada importa, exceto eu, você e o som da minha voz”, fala Lily para o empresário amarrado que implora para ser espancado antes do café da manhã. Ela diz isso devagarinho, fazendo-o esperar por cada palavra, forçando-o a se concentrar apenas no som de sua voz, ele flutua por antecipação às sensações que ela irá fazer surgir dentro dele. A ansiedade sobre a hipoteca, os impostos, os prazos no trabalho se perdem a cada batida que ela dá em seu corpo. O empresário é reduzido ao aqui e agora, sentindo apenas as ondas de dor e prazer. “Eu me interesso em manipular a mente das pessoas” diz Lily. “O cérebro é a maior zona erógena”. Em outra cena, Lily está com uma mulher, ela ordena que a outra tire a roupa, depois disso ela coloca uma venda sobre seus olhos. Diz para a mulher não se mover, em seguida Lily começa a passar um tecido sob o corpo dela, o move em diferentes ângulos, posições e velocidades. Às vezes ela faz com que o tecido passe pelos seios e estômago da mulher, esfregando de leve, criando círculos e redemoinhos nas costas dela de cima para baixo, a mulher começa a tremer de excitação. Ela não sabia o que eu estava fazendo com ela, mas com certeza estava gostando, disse Lily com um sorriso.
A Teoria da fuga, ou Teoria do escape, é apoiada por uma ideia chamada de “quadro”, essa ideia foi desenvolvida pelo falecido Ph.D Irving Goffman. De acordo com Goffman, no sadomasoquismo existem regras complexas, rituais, papéis e dinâmicas que criam um “quadro” em torno da experiência. “Os quadros suspendem a realidade, criam expectativas, normas e valores que definem essa situação como externa à vida”, confirma o Ph.D Thomas Weinberg, sociólogo da Buffalo State College de Nova York e editor de “Sadomasoquismo: Estudos sobre Domínio e Submissão”(Prometheus Books, 1995). Uma vez dentro do quadro, as pessoas são livres para agir e sentir as experiências de uma forma que não poderiam fazer em outros momentos.
Sexo sadomasoquista: tão saudável quanto o sexo tradicional
Afinal, os principais componentes de um bom sexo sadomasoquista são: comunicação, respeito e confiança, os mesmos componentes do sexo tradicional. O resultado também é o mesmo: uma sensação de conexão com o corpo e com o eu. Laura Antoniou, uma escritora cujo trabalho sobre Sadomasoquismo foi publicado pela Masquerade Livros de Nova York, nos traz algumas novidades: “Quando eu era pequena, não pensava em nada além de fantasias sadomasoquistas. Fazia minhas bonecas entrarem no jogo, punia a Barbie por ser uma garota má, amarrava-a e fazia com que o Ken a dominasse. Sadomasoquismo é simplesmente a minha motivação para viver.
Além dos limites de um jogo seguro
O sexo sadomasoquista é uma atividade saudável psicologicamente e embora seu lema seja “seguro, saudável e consensual”, às vezes as coisas podem sair fora do controle. É raro acontecer mas algumas pessoas se envolvem muito no jogo de poder e esquecem-se de que é preciso se controlar. Elas geralmente têm uma baixa autoestima e por isso acreditam que merecem ser punidas e simplesmente perdem o controle sobre o jogo. Nesse caso o sadomasoquismo deixa de ser algo saudável e torna-se doentio.
Limites
Uma pequena porcentagem de pessoas levam o sadomasoquismo para outras esferas de suas vidas. “A maioria das pessoas que curtem sadomasoquismo são dominantes ou submissas em situações muito específicas, em suas vidas cotidianas agem naturalmente”, diz o psicólogo e professor Luc Granger. Mas se a única maneira que uma pessoa tem de se relacionar com as outras é por uma relação sadomasoquista, ela provavelmente tem um problema psicológico mais profundo.
O uso do sadomasoquismo como terapia
As pessoas muitas vezes acham que o sexo sadomasoquista é uma espécie de terapia, uma vez que se sentem tão aliviadas após o sexo, diz o psicólogo e professor Roy Baumeister. “Mas, para provar que alguma coisa é terapêutica, você precisa provar que existem benefícios a longo prazo sobre a saúde mental… e isso é muito difícil de ser provado, mesmo que a prática seja terapêutica. Então em termos de saúde mental, o sexo sadomasoquista não o torna pior nem melhor do que os outros.