Na Carta 52 (6/12/1886) dirigida a Fliess, Freud escreve: "Cada vez mais me parece que o ponto essencial da histeria é que ela resulta de perversão por parte do sedutor e, mais e mais, parece-me que a hereditariedade é a sedução pelo pai". Ele precisa: "Por conseguinte, a histeria não é sexualidade repudiada, mas, antes, perversão repudiada [...] Ademais, por trás disso, está a idéia das zonas erógenas abandonadas [...]. As perversões se manifestariam como bloco de sensações, como pura impulsividade (bestial), desorganizando a organização psíquica em curso de elaboração das vítimas".
Podemos observar que Freud, desde suas pesquisas iniciadas em 1897 (cf. Carta 69, a Fliess) até um ano antes de sua morte (1938), não cessa de demonstrar que perversão e as demais estruturas não se excluem. Expliquemo-nos. Ao constatar não "poder mais confiar em sua neurótica" (Carta 69, a Fliess), Freud inicia suas investigações sobre a perversão distinguindo-a, em uma vertente, como entidade clínica, ao lado da neurose e da psicose e, em outra, como modalidade de subjetivação, sempre problemática, do sexo anatômico. Nesta mesma carta (21 de setembro de 1897), Freud anuncia:
... veio a surpresa diante do fato de que em todos os casos, o pai, não excluindo o meu, tinha de ser apontado como pervertido - a constatação da inesperada freqüência da histeria, na qual o mesmo fator determinante está invariavelmente estabelecido, embora tão difundida dimensão da perversão em relação às crianças, afinal, não seja muito provável. (A perversão teria de ser incomensuravelmente mais freqüente que a histeria, de vez que a doença somente aparece onde houve uma acumulação de eventos e onde incide um fator que enfraquece a defesa). Depois, a descoberta comprovada de que, no inconsciente, não há indicações de realidade, de modo que não se consegue distinguir entre a verdade e a imaginação que está catexizada com afeto. (Assim, permanecia aberta a possibilidade de que a fantasia sexual invariavelmente tem como tema os pais).
No texto de 1905, "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", Freud esclarece o abandono de sua neurótica, substituindo-a pelas ficções fantasmáticas. Ele observara, nos mecanismos inconscientes, a ausência de índices de realidade concreta nos fatos relatados pelas histéricas, mas a existência, sim, de uma ficção construída para dar conta do trauma sexual. Estava aberto, assim, o campo para a aproximação entre a fantasia e a realidade psíquica, que não é outra senão a do complexo de Édipo.
Na Carta 125. de dezembro de 1899, considerando as perversões inseridas no campo das neuroses, Freud propõe ainda uma definição bastante rudimentar: "A perversão seria aquilo que se conhece como “loucura idiopática”. As relações especiais do auto-erotismo com o ego original projetariam viva luz sobre a natureza dessa neurose" (1974[ 1892/99], p. 377-8). Desta forma, a formação perversa se caracterizaria por uma regressão a um momento do desenvolvimento psíquico, no qual se fixa o eu primitivo do auto-erotismo, gerando a "loucura idiopática". No auto-erotismo podemos entender um gozo instalado no corpo. No seu célebre estudo sobre a histeria de Dora, publicado em 1905, ele escreve:
Precisamos aprender a falar sem indignação sobre o que chamamos "perversões sexuais" - casos em que a função sexual estende seus limites, seja para a parte do corpo em causa ou para o objeto escolhido. [...] As perversões não são bestiais nem degeneradas no sentido emocional da palavra. São o desenvolvimento de germes os quais contêm, todos na disposição sexual indiferenciada da criança e que, suprimidos ou desviados para objetivos assexuais mais altos - "sublimados" - destinam-se a fornecer energia para um grande número de nossas realizações culturais. (1974[ 1905/01], p. 47)
Portanto, quando alguém se torna um pervertido grosseiro e manifesto, seria mais correto dizer que ele continua a sê-lo, pois exibe um certo estágio de desenvolvimento inibido. Todos os psico-neuróticos são pessoas de tendências pervertidas, fortemente acentuadas, que foram recalcadas no curso de seu desenvolvimento e tornaram-se inconscientes. Conseqüentemente, as fantasias inconscientes desvelam precisamente o mesmo conteúdo que as ações documentalmente registradas dos pervertidos - "muito embora eles não tenham lido a Psychopathia Sexualis de Krafft-Ebing sobre as tendências pervertidas. [...] As neuroses são, por assim dizer, o negativo das perversões" (Ibid., p. 48 e p. 168).
A partir da descoberta de que a pulsão não é perversão, mas seu veículo, Freud caminha para um desenvolvimento fecundo em direção à conceituação das perversões. Está aberta a via para que ele considere a fantasia perversa em seu aspecto tópico: inconsciente na neurose, consciente na perversão.
Freud insiste: "E talvez precisamente em conexão com as perversões mais repulsivas que se deve considerar que o fator psíquico desempenha seu maior papel na transformação da pulsão sexual" porque "esse trabalho psíquico é o equivalente a uma idealização da pulsão" (Ibid.. p. 164). De que idealização da pulsão fala Freud, senão de sua captura pelas "idéias" inscritas sobre um vazio da Spaltung, marca da divisão subjetiva? O que nos faz pensar na pulsão transformada, orientada e capturada pelas "idéias" psíquicas, ou seja, pelos significantes.
A perversão atesta, portanto, o trabalho de idealização, não apenas da pulsão, mas também do objeto do qual emana a atração. Ele escreve:
Somente em casos extremamente raros, a valorização psíquica dada ao objeto sexual como meta da pulsão sexual, cessa nos órgãos genitais. [...] A mesma supervalorização se espalha na esfera psíquica: o paciente se torna, por assim dizer, intelectualmente obcecado (isto é, seus poderes de julgamento são enfraquecidos) pelas realizações e perfeições mentais do objeto sexual e ele se submete aos julgamentos deste último com credulidade. Assim, a credulidade de amor torna-se, se não a mais fundamental, uma importante fonte de autoridade. (Ibid., p. 151)
Observamos, nesta citação, que Freud já delineia a função do Outro da linguagem, encarnado nas figuras de autoridade parental e seus substitutos. Tema que ele retomará por ocasião da estruturação da lógica da fantasia, tema de "Bate-se em uma criança" (1974[1919]).
Para Freud, as práticas perversas não podiam ser consideradas senão a partir da estrutura fantasmática que as agenciam. Ao retomar a dor e a humilhação no processo de subjetivação enigmática quanto ao sexo, ele constata tratar-se do mesmo processo: infringir o sofrimento e a dor ao outro seria o reverso de infligi-lo a si mesmo. Era indiferente tratar-se do sadismo do parceiro ou daquele que a pessoa encontra em si e o usa contra si. A perversão, como entidade psiquiátrica, é então deslocada das práticas e encenações perversas para ocupar uma posição na economia subjetiva e fantasmática.
Como estrutura clínica autônoma, a perversão pode ser colocada ao lado das outras duas estruturas - neurose e psicose. No entanto, sabemos que. a partir de Freud, as atitudes, rituais, passagens ao ato e outras formas aberrantes de comportamento sexual, não mais definem necessariamente uma perversão "estrutural". Para encontrar a distinção nosológica entre as estratégias utilizadas na psicose, na neurose e na perversão propriamente dita, Freud se detém nas minúcias dos tipos de retorno da pulsão e seus representantes da representação, ou seja, os significantes a ela articulados.
Freud concebe claramente a distinção entre pulsão e perversão: "Falamos em perversão quando estas deslocam para o plano secundário os fins sexuais e os substituem por seus próprios fins" (1974 [1932/33], p. 130).
Os processos excitatórios deixam atrás de si traços permanentes, os quais formam os fundamentos da memória. Tais traços nada têm a ver com o fato de se tornarem conscientes; na verdade, com freqüência são mais poderosos e permanentes quando o processo que os deixou atrás de si nunca penetrou na consciência. (1974[ 1920], p. 40)
Nestes traços, concebemos a entrada do significante na função de suporte do desejo sexual. As mais importantes expressões destes traços se manifestam nos pares de opostos voyeurismo-exibicionismo e sadismo-masoquismo. "O sadismo e o masoquismo continuam a ocupar um lugar especial entre as perversões de vez que o contraste entre a atividade e a passividade que, neles é subjacente, situa-se entre as características universais da vida sexual" (Freud, 1974f 1905], p. 161).
Freud considera o sadismo uma forma ativa de manifestação e um desenvolvimento excessivo do componente agressivo da pulsão sexual. Querer causar sofrimento ao objeto sexual é querer dominá-lo para além da sedução, graças a um excesso pulsional não domesticado. O masoquismo, como seu oposto, seria uma forma passiva de expressão da tendência sexual que pretende despertar algo, cuja recorrência e sucessão dos elementos significantes se reduz, nas palavras de Lacan, ao Um repetitivo ("A angústia", lição de 21/11/1962, inédito).
Até 1924, Freud não considera ainda o masoquismo uma perversão primária, mas apenas o retorno do sadismo ao próprio sujeito. Até então, na mesma direção de Krafft-Ebing, Freud considera que um sádico é sempre um masoquista, segundo a característica dominante que prevalece na atividade sexual da pulsão, ou seja, ativa ou passiva. A partir de 1915, o mecanismo do masoquismo em relação à reversão pulsional poderia ser assim descrito: o sujeito toma o lugar de objeto sexual na satisfação experimentada com o sofrimento infligido pelo parceiro amado. A atividade foi, então, transformada em passividade.
Com Lacan, podemos dizer que o masoquismo lançaria o sujeito em uma identificação ao objeto-abjeto, no ponto de corte onde a ida e a volta da pulsão se juntam. Restaria, contudo, uma abertura no ponto de retorno, na qual o sujeito se faz aparecer a si mesmo como, por exemplo, na encenação masoquista, como "fetiche negro" do "obscuro desejo do Outro" (1979[ 1964], p. 175). Já que ninguém pode dar consistência a si mesmo e "ser" o objeto, o masoquista se faz semblante de refugo, mercadoria ou bem, comercializando-se como objeto de troca em um contrato com o Outro ("A angústia", lição de 16/1/1963. inédito).
Freud aborda, em "Três ensaios sobre a sexualidade", de 1905, a problemática da economia libidinal, distinguindo as diferentes formas de desvios da sexualidade: quanto ao objeto sexual, ou seja, quanto à pessoa que exerce e/ou da qual emana uma atração ou quanto ao fim sexual; quanto aos objetivos ou fins sexuais, definidos pela união das partes sexuais. As forças inibidoras - repulsa, pudor e vergonha -, quando ultrapassadas na orientação da pulsão sexual em relação ao seu objetivo, o ato sexual, podem conduzir o sujeito a uma fetichização de certas partes do corpo do parceiro.
Somente podemos falar de uma perversão propriamente dita, se a renúncia ao ato sexual provocar uma fixação nos objetivos preliminares para a obtenção de prazer. Cada vez mais, Freud delineia a distinção entre pulsão e perversão: enquanto a pulsão sustenta o traçado de um corte, aquele da própria divisão subjetiva, a perversão encena seu traçado para completar o Outro, entregando-se e fazendo-se consistir no objeto suposto tamponar o furo do Outro.
No texto de 1915, "A pulsão e seus destinos", Freud reapresenta a pulsão, em sua definição estrutural, como um dos seus conceitos fundamentais. Os "fins" e vicissitudes da satisfação pulsional são reordenados sem que Freud abandone sua perspectiva anterior. Ele ainda nega a existência de um "masoquismo originário, que não tivesse origem no sadismo". O sadismo, considerado primeiro no par de opostos formado com o masoquismo, continua sendo referido à agressividade exercida "contra uma outra pessoa tomada como objeto". Depois, "esse objeto é substituído pela própria pessoa". Prevalece o objeto que finalmente é o próprio sujeito em causa. Este aspecto será definitivamente colocado por Freud em seu texto, quando diz:
O retorno de uma pulsão em direção ao próprio eu do indivíduo se torna plausível pela reflexão de que o masoquismo é, na realidade, o sadismo que retorna em direção ao próprio eu do indivíduo, e de que o exibicionismo abrange o olhar para o seu próprio corpo. A observação analítica, realmente, não nos deixa duvidar de que o masoquista partilha da fruição do assalto a que é submetido e de que o exibicionista partilha da fruição de (a visão de) sua exibição. A essência desse processo é, assim, a mudança do objeto, ao passo que a finalidade permanece inalterada. Não podemos deixar de observar, contudo, que nesses exemplos o retorno em direção ao eu do indivíduo e a transformação da ativida-de em passividade convergem ou coincidem. (1974[1915], p. 148)
Nesse artigo, além de distinguir as quatro características da pulsão - impulso, fim, objeto e fonte -, Freud formaliza seus destinos: a inversão de seu conteúdo em seu contrário, amor em ódio, e o retorno sobre a própria pessoa. Em relação à inversão no contrário - amor em ódio -, Freud prefere considerar
... o amor como sendo a expressão do "amar-se a si próprio, traço característico do narcisismo. [...] Então, conforme o objeto ou o sujeito sendo substituído por um estranho, o que resulta é a finalidade ativa de amar ou a passiva de ser amado - ficando a segunda perto do narcisismo. [...] A antítese ativo e passivo funde-se depois com a antítese masculino-feminino, a qual, até que isso tenha ocorrido (refere-se à antítese sujeito do ego-objeto do mundo externo), não possui qualquer significado psicológico. (Ibid., p. 155)
Quanto à reversão do fim pulsional, Freud considera que, "simultaneamente ao retorno sobre a própria pessoa, opera-se uma transformação do fim pulsional ativo em fim passivo". Assim, ele também demonstra uma outra inversão entre o objeto e o sujeito: no sadismo "... busca-se como objeto uma pessoa estranha que, em razão de transformação ocorrida da finalidade, deve assumir o papel de sujeito". Tal seria a estratégia do masoquismo: a satisfação passando nesse caso "pela via do sadismo originário, o eu passivo retoma, pela fantasia, seu lugar anterior, que fora cedido ao sujeito estranho".
Freud já se encontra, então, apoiado em seu conceito de narcisismo, assim definido em 1914: "A atitude de uma pessoa que trata seu próprio corpo da mesma forma pela qual o corpo de um objeto sexual é comumente tratado - o contempla, o afaga e o acaricia até obter satisfação completa através dessas atividades" (1974 [1914], p. 89). Duas perspectivas devem ser consideradas: a organização narcísica do eu e a identificação ao outro semelhante, o parceiro. Ambos aspectos constituem balizas indispensáveis na orientação da fantasia. E no semelhante erigido simbolicamente como ideal que o sujeito se reconhecerá como amável. Neste sentido, a cena fantasmática se torna equivalente à imagem erigida no eu: ambas têm a função de recobrimento de um ponto de desconhecimento subjetivo, uma satisfação auto-erótica.
Ficamos habituados a denominar a fase inicial do desenvolvimento do ego, durante a qual suas pulsões sexuais encontram satisfação auto-erótica, de "narcisismo", sem de imediato travarmos um debate sobre a relação entre o auto-erotismo e o narcisismo. Segue-se que a fase preliminar da pulsão escopofílica, na qual o próprio corpo do sujeito é o objeto da escopofilia, deve ser classificada sob o narcisismo, e que devemos descrevê-la como uma formação narcisista. A pulsão escopofílica ativa desenvolve-se a partir daí, deixando o narcisismo para trás. [...] De maneira semelhante, a transformação do sadismo em masoquismo acarreta um retorno ao objeto narcisista. Em ambos casos (escopofilia passiva e masoquismo) o sujeito narcisista é, através da identificação, substituído por outro ego estranho. (Freud, 1974[1915], p. 153)
A encenação sadomasoquista tendo sua origem num sadismo originário ativo, investido em um objeto externo, pode sofrer uma inversão da atividade do sujeito, em passividade. E a agressividade contra o objeto poderia se transformar em agressividade contra o próprio sujeito. O masoquismo da primeira tópica pulsional (pulsões de autoconservação/pulsões de reprodução inseridas na dialética entre as pulsões do eu e pulsões sexuais), que não passam, estruturalmente, de um sadismo revertido contra o próprio eu, permite a Freud unir o sadismo ao masoquismo por meio da gramática reversível da pulsão.
A indicação do movimento de reversão intrínseco à pulsão, sendo definido pela pulsão sadomasoquista como auto-erótica (como toda pulsão parcial), encontrará sua interpretação paradigmática na neurose obsessiva: "Encontramos aí o retorno do sofrimento (na ruminação dos pensamentos) sobre a própria pessoa sem que haja necessariamente passividade em face de outra pessoa". A necessidade de atormentar torna-se tormento infligido a si mesmo, autopunição, mais do que propriamente masoquismo. Trata-se do masoquismo do eu.
Este tipo clínico, a neurose obsessiva, bem exemplifica a passagem da voz ativa do verbo à voz reflexiva, mais do que da voz ativa passando à voz passiva. Se o objeto da pulsão sadomasoquista parece ser inicialmente a outra pessoa, de fato, diz ele, "não ser absurdo considerá-lo construído dos esforços da criança querendo se tornar senhora de seus próprios membros". Se a pulsão sadomasoquista parte da fonte orgânica na musculatura, sendo capaz de ação, seu objeto se refere diretamente a um outro objeto, mesmo que esse objeto pertença ao próprio corpo, ou seja, mesmo, o próprio corpo. Trata-se de portar uma localização de algo indizível no corpo.
O masoquismo, com efeito, consiste inicialmente em um sadismo voltado contra o próprio eu. Uma alteração se acrescenta a este movimento de reversão: o sujeito "se" faz objeto, eu passivo para a outra pessoa que se torna o sujeito atormentador em sua fantasia. O perverso masoquista precisa de uma encenação para alcançar sua identificação ao objeto, ou seja. fazer-se de objeto e instrumento do Outro para alcançar seu gozo sexual. Para tanto, ele constrói uma cena na qual faz do desejo do Outro a sua lei. A esta cena damos o nome de fantasia.
Em 1915, em "A pulsão e seus destinos", Freud relaciona a descoberta do masoquismo com sua metapsicologia sobre o inconsciente. O tempo do recalque primário é relativo ao ato de fixação do representante simbólico à pulsão. O par antagônico sadismo-masoquismo não se define por uma ação complementar, mas por um circuito efetuado pela pulsão. O par "oposto" escreve a frase gramatical na circulação e no movimento indicativos tanto da volta como do ponto de partida, nos desvios do trajeto da pulsão em direção aos "destinos pulsionais".
A frase gramatical reflete a inflexão da voz verbal expressa na transformação do ativo em passivo e no retorno da pulsão à própria pessoa, no "se" onde pode incidir a "voz" do masoquismo. Freud exemplifica este movimento na criança esforçando-se em tornar-se "senhor" de seus próprios membros. Este tempo primeiro do movimento pulsional corresponde a um alheamento no objeto - ein freindes Objekt - que fornece à criança uma imagem de domínio dos membros. Então, a pulsão parcial sadomasoquista implica a satisfação auto-erótica no narcisismo. Através do narcisismo ocorre uma precipitação da forma do corpo que tem a função de constituir a fonte do órgão e da pulsão na musculatura, tornando-a capaz de uma ação que visa tanto o objeto alheio como o próprio corpo. A noção de pulsão está na raiz da representação e encenação fantasmáticas. Em seus avatares, em suas vias de fracasso, esta colocação em cena é efeito da articulação da mitologia - como Freud qualifica o campo das pulsões - das fantasias originais pelo banho da linguagem.
A partir de Freud, podemos considerar a encenação masoquista o que é efetuado para obter a fixação de um objeto, no qual o gozo se refugia. No ato, mais especificamente o que chamamos acting out, há a colocação em cena de uma demanda de interpretação e um endereçamento ao Outro. Podemos considerá-lo uma demanda de interpretação do que advém ao sujeito, do que ressoa de um resto de "voz" de gozo que o masoquismo desperta. A cena perversa, atuada ou não, não pode definir uma perversão, já que uma fantasia perversa pode persistir no inconsciente do neurótico. Destacamos neste rastro de "voz" de gozo despertada pelo masoquismo, a questão da "voz" por considerarmos sua proximidade com a função do supereu, a de "necessidade de punição", como Freud o aborda em 1924, em "Problema econômico do masoquismo". Trata-se de um rastro do desejo do Outro, que ressoa no sujeito como "culpa".