Ao contrário dos heróis trágicos, cujos atos são expressão de sua até, o sujeito desejante pode passar ao ato para sustentar um desejo que, se, de um lado, é desfalecente de palavras e dizeres, de outro, é franqueado pelo oco do objeto da fantasia. A perversão, por sua vez, encena a fantasia, realizando um desejo aparentemente decidido para obter um gozo inconfessável. A escolha de uma posição inconsciente - neurose ou perversão - depende da fantasia que a sustenta - ou da inexistência dela, como na psicose, como resposta à castração e ao Édipo. Por isso, somos levados a abordar esta escolha em termos estruturais traduzindo, na trágica dor da existência, o sujeito desejante como signo da emergência dos pontos desgarrados do ser.
Empenhado em situar sua alteridade, o sujeito desejante prende-se ao lugar puro e simples do significante, pelo qual o ser se cinde em sua própria existência. Mediante o masoquismo, o sujeito desligado de si mesmo apreende a "dor de existir". Nela. concentra-se o que Lacan considera a dimensão essencial do surgimento do sujeito.
Esta "dor da existência" sinaliza o que é nomeado por Lacan de traço unário, einziger Zug, ou seja, o significante que, dividindo o sujeito, carrega a sua marca de gozo. Deste traço que se repete, o desejante terá que extrair um signo que ele só obtém ao se mutilar do objeto no qual ele é erigido e que o reveste, para que esta falta seja valorizada à margem do desejo. Um signo tem relação com a ausência do objeto que, na Carta 52 a Fliess, Freud já havia admitido estar na origem do processo primário em relação aos traços que permitem a inscrição mnêmica e a memória. Citamos Lacan: "O destino do sujeito humano está essencialmente ligado à sua relação com seu signo de ser, que é objeto de toda sorte de paixões e que presentifica, neste processo a morte" (1999[ 1957/58], p. 266).
Freud percorreu um longo campo investigativo para bem compreender o estatuto da dor e do sofrimento, expressão da trágica dor de existir inerente ao humano, resultante deste retorno ao inanimado que irrompe em pulsações. Já em seu texto "Projeto para uma psicologia científica" (1895) e, mais especificamente, em "O eu e o isso" (1923), Freud se dedica ao estudo da dor da existência, sinalizada no eu pelo desamparo do Outro. Desde os primórdios de sua metapsicologia, ele escreve:
Todos os dispositivos de índole biológica têm um limite de eficiência que, uma vez ultrapassado, determina seu fracasso. [...] tudo o que se sabe da dor se enquadra nesse conceito. [...] podemos concluir que a dor consiste na irrupção de grandes quantidades de Ψ [que Freud descreve como "fora de contato com o mundo externo" e desvinculadas da percepção da consciência]. (Freud, 1974[1895], p. 408)
Freud descreve o "caráter" do eu constituído pelo precipitado e pela identificação ao objeto (da demanda de amor), cujo amor renunciou, tal como ocorre na melancolia, em que "a sombra do objeto cai sobre o eu". "Quando o eu assume as características do objeto, ele está forçando o Isso, como um objeto de amor e tentando compensar a perda do Isso". E, para suprir este aspecto trágico da existência sinalizada no eu como "perda do Isso", sítio onde o reservatório das pulsões pode ser civilizado pelos representantes da representação. Freud acrescenta um esclarecimento. E como se a imagem do eu "se" dissesse: "Olhe, você também pode me amar. sou semelhante ao objeto" (Freud, 1974(1923], p. 44).
Freud compara o processo de identificação ao traço simbólico ao que fracassa na melancolia. Nesta, o fracasso se traduz pela ausência de um traço simbólico, já que o amor ao pai, o amor ao significante, nada inscreveu no inconsciente. Ou seja, o simbólico não se instaurou nem forneceu as balizas de descontinuidade na dialética de presença e ausência do significante e, como efeito, o pensamento inconsciente "descarrilha". Há, na melancolia, um furo que vaza no qual o sujeito é o próprio objeto instaurado em lugar do Outro simbólico - lugar da identificação ao pai, identificação mais primitiva, como Freud a descreve em "Psicologia de grupo e análise do ego" (1921). O sujeito mergulha radicalmente no lugar de refugo e dejeto, à medida que o Outro não lhe fornece as balizas simbólicas necessárias para constituir a imagem de eu.
Exercendo a violência com o intuito de dominar com mestria a si mesmo, o masoquista quer, essencialmente, apreender, designar o retorno, no próprio corpo, do começo e do fim da pulsão. O masoquista responde à separação operada pela função do objeto a com sua identificação ao objeto caído do Outro. Como objeto-dejeto, ele se propõe a tampar a falta do Outro e, desta forma, capturar o gozo. A dor somente entra em função para permitir ao sujeito assumir seu papel de objeto de uma vontade outra, a do Outro, na qual quer se reconhecer. E o que depreendemos do texto lacaniano "Kant com Sade", no qual ele escreve: "Sade nos atesta a experiência que procuramos por trás da fabulação da fantasia. Experiência trágica, por projetar sua condição num clarão vindo de para-além de qualquer temor ou piedade" (Lacan, 1998[1966], p. 801).
O masoquismo torna-se a expressão de uma forma de gozar ao incluir a volta do circuito pulsional contra a própria pessoa, exprimido pela metaforização encenada a transformação do ativo em passivo. A dor da existência se esclarece na pulsão sadomasoquista por ser a expressão de uma das várias formas de emergência do objeto a, como condensador de gozo. Por ser objeto ex-sistente, somente nas encenações imaginárias ou no ato do qual irrompe, ele pode ser abordado. Destacado do corpo pela incidência significante e devido à incidência da castração, o objeto a se "manifesta" em cada momento da existência sob as modalidades de objetos oral, anal, voz e olhar. Visto que "a sexualidade instaura-se no campo do sujeito por uma via que é a da falta" (Lacan, 1979[ 1964], p. 194), "este objeto suporta o que, na pulsão, é definido e especificado pelo que a entrada em jogo do significante na vida do homem lhe permite fazer surgir o sentido do sexo" (Ibid., p. 243).