O importante é saber quem está no controle, explica Dr. Daniel Barros.
'Se você manda no seu desejo, tudo bem.'
Muita gente, depois de ler o livro ou ver o filme 50 Tons de Cinza, sentiu um misto de excitação e culpa. Como na letra de Chico Buarque, essas pessoas também se questionaram: “O que será que dá dentro da gente e não devia?”.
O que assusta e excita é tomar contato com um universo até então desconhecido – o da Bondage, Dominação, Sadismo e Masoquismo (ou BDSM) – e se dar conta que ele pode parecer ao mesmo tempo violento, mas sedutor. Se é violento, como posso gostar? Será que sou masoquista? Sádico ou sádica?
É importante, antes de mais nada, lembrar que o comportamento humano não pode ser reduzido a um simples “sim ou não”, “tudo ou nada”. Veja o caso da depressão: todo mundo pode ficar triste. Às vezes por algum tempo. Outras, por muito tempo. E eventualmente com muita intensidade. Podemos definir simplificadamente, uma “escala de tristeza” – entre uma melancolia leve e passageira até uma depressão grave há um espectro, uma progressão que vai do normal e chega até a doença. Entre o preto e o branco, qualquer comportamento pode ser pintado com muitos tons de cinza.
Temos que manter isso em mente ao considerar as práticas BDSM. A primeira vez que o sadismo sexual foi descrito, no século XIX, os casos eram graves, muitas vezes culminando em assassinatos. Ainda hoje o sadismo é considerado uma doença quando a pessoa tem excitação sexual quase exclusivamente na presença de violência, fantasiada ou real.
Outro sinal de sadismo doentio é quando a pessoa se sente mal por este comportamento ou quando não se controla e força o parceiro a estas práticas, ou seja, quando a fantasia não é consensual.
Mas assim como no caso da depressão – ou de qualquer característica – aqui também encontramos um espectro. Entre os dois extremos (o da pessoa que não pode sequer pensar no assunto e o daquela que precisa disso para se satisfazer sempre) podem existir variadas expressões dessas fantasias. E pode realmente ser sedutora a ideia de entrega total, que está por trás da prática de dominação.
A autonomia, a capacidade de fazer livremente o que bem queremos, é um dos aspectos psicológicos mais importantes para nossa saúde mental. Qualquer redução da autonomia gera estresse, aumentando a adrenalina. Mas abrir mão voluntariamente dela, deixando o outro determinar nossos movimentos, é um ato de confiança extrema. Por isso a mistura funciona para algumas pessoas. Enquanto a sensação de entrega total traz um ar de romantismo, ao mesmo tempo faz subir a adrenalina e a excitação do ato.
No final das contas, o que vale para outros desejos também vale para os desejos sexuais: o importante é saber quem está no controle. Se você manda no seu desejo, tudo bem. Só não pode deixar que o desejo mande em você.