O termo masoquismo é muito abrangente, estendendo-se do âmbito da perversão à estrutura propriamente dita. Desde Freud, encontramos o masoquismo referido a diversos campos: quer em relação ao desejo e à pulsão, à fantasia e ao sintoma, ao comportamento moral e ético, aos obstáculos ao final do tratamento ou, ainda, à reação terapêutica negativa e à compulsão à repetição. Como Freud promoveu a evolução deste conceito?
Desde "Projeto para uma psicologia científica" (1895). a dor foi considerada, por ele, como o limite onde a palavra se torna grito, redução inaugural de forma de apelo ao Outro. Ele já destacava a excitação psíquica na dor para, no fim, formalizá-la como energia livre, no pulsional que deixa suas marcas no corpo. No início de suas investigações sobre a subjetivação problemática do sexo anatômico, Freud observa uma certa simetria entre sadismo e masoquismo. Apoiando-se em Krafft-Ebing, considera que o primeiro consiste em um movimento de buscar a dor e a humilhação, pela dominação do parceiro e. o segundo, em seu reverso.
A formulação freudiana de "prazer no sofrimento" (Freud. 1974[ 1924a], p. 199), esteve presente na passagem da primeira para a segunda tópica. A compulsão à repetição e o sofrimento ao qual o sujeito em análise retornava obrigaram-no a formalizar o conceito de pulsão de morte.
Freud distingue três formas de masoquismo: 1) primordial ou originário, equivalente a um modo de excitação sexual; 2) o feminino, como expressão da "essência do ser feminino"; e 3) o moral, como norma de conduta gerenciada pelo supereu. Destas três formas, ele privilegia a forma do masoquismo primordial, pela qual a coalescência entre as pulsões de vida e morte lhe permitirá reportá-lo às duas outras.
Em "O problema econômico do masoquismo", Freud ultrapassa definitivamente a noção de masoquismo como perversão, para considerá-lo "estruturalmente" relacionado à pulsão de morte. A partir dessa nova abordagem freudiana, questionamo-nos sobre o tipo de gozo inerente ao masoquismo. O que podemos extrair da posição masoquista? Que papel desempenha, nesta posição, a fantasia? Qual a relação entre a vítima e o algoz: ela é de prazer/desprazer, ou visa o mais-além do princípio do prazer?
Freud inicia esse artigo da seguinte forma: "A existência de uma tendência masoquista na vida instintiva dos seres humanos pode corretamente ser descrita como misteriosa desde o ponto de vista econômico" (Ibid., p. 199, grifo nosso). O termo econômico deixa transparecer a idéia de quantidade de energia, de libido. Freud analisará esse fenômeno "econômico", postulando a pulsão de morte como originária aos três tipos de masoquismo descritos acima. Em seu texto "Ansiedade e vida instintual", associa o masoquismo à "natureza conservadora das pulsões" (1974[ 1933/32], p. 132), destacando que este é correlato a um pedaço de carne arrancado do sujeito e que, embora irrecuperável, precisamente por instaurar um lugar de falta, permite à pulsão, que a este lugar retorna, também a circular.
Com isto observamos que, para Freud, o masoquismo se estende cada vez mais do campo do pacto perverso para alcançar, na fantasia inconsciente, uma forma de satisfação pulsional paradoxal que chamamos, a partir de Lacan, de gozo. Instaurado no âmbito do mais além do princípio do prazer, o masoquismo primordial encontra seu pouso no que se repete, de uma tendência que estende sua lei organizadora do inconsciente ao para além da permanência do vivente.
A existência do masoquismo primário é concebida com base na fusão e disjunção das duas classes de pulsões, abordagens extensamente examinadas em "O eu e o isso" (1923). A natureza aparentemente contraditória de uma pulsão que visa reduzir a tensão, no entanto encontra o desprazer, é discutida amplamente na distinção feita entre o "princípio de constância" e o "princípio de prazer". Se o primeiro visa manter constante os elementos irredutíveis, isolados por Freud no material inconsciente do processo primário, o segundo exige uma série de desvios para alcançar o efetivo prazer, que se di-rige ao mais além.
Na conferência XXXII, "Ansiedade e vida instintual", Freud esclarece a natureza conservadora das pulsões, reafirmando a primordialidade do masoquismo com relação ao sadismo:
Há pessoas em cujas vidas se repetem indefinidamente as mesmas reações não-corrigidas, em prejuízo delas próprias, assim como há outras que parecem perseguidas por um destino implacável, sem se aperceberem, causam a si mesmas esse destino. Em tais casos, atribuímos um caráter "demoníaco" à compulsão à repetição. (1974 [11932/33], p. 133)
Embora a encenação masoquista tente entregar seu gozo ao Outro para satisfazê-lo, ele apenas constrói uma simulação, levando-o até um limiar para, em seguida, fazê-lo retornar ao próprio corpo. O masoquista encena o que ocorre na estrutura, ou seja, todo sujeito está alijado do gozo. Na tentativa de alcançá-lo e levá-lo ao corpo, o masoquista constrói uma cena.
Nomeado por Lacan de "tripa causai", o "objeto a" modela a possibilidade de metaforização de um vazio. É esta possibilidade de metaforização que vai permitir, ao sujeito, desprender-se da mortificação do corpo, que é estrutural. O objeto a é, logicamente, um objeto suspenso e perdido nos diferentes níveis da experiência corporal. Isto quer dizer que podemos situá-lo, logicamente, onde a incidência da pulsão de morte produz o corte em seu traçado no corpo, e do qual ele próprio será o suporte (Lacan, "A angústia" - lição de 8/5/1963, inédito). E este objeto, portanto, que opera para que o corpo "ganhe corpo", permitindo as possíveis modalidades do gozar, visto ser ele passível de sofrer as metáforas próprias ao corpo.
Com Lacan, verificamos que o sujeito padece do significante. A marca do traço significante Um, na carne, exila o corpo, tornando-o um deserto de gozo. A partir de seu ensino consideramos que, embora o desejo mostre que só há sujeito graças ao significante, o sujeito afetado pelo significante é, também, por ele abolido. Lacan recorre ao jogo homofônico da expressão Tu és que, a partir do equívoco da língua francesa entre tuer (matar) e tu es (tu és), serve para designar o sujeito no significante, ou seja, o que, ao mesmo tempo, o divide e o mortifica. A incidência significante exclui o gozo pulsional do corpo, o que eqüivale a mortificá-lo. Quanto mais o sujeito se afirma como gozo fora da cadeia significante, mais nele se in-tegra tornando-se, ele próprio, um signo desta cadeia. "Quando abole a si mesmo, [o sujeito] torna-se mais signo do que nunca" (1999[ 1957/58], p. 255). O masoquismo encontra seu pouso neste lugar, onde a derradeira palavra, no Um enquanto marca de entrada do significante, marca para a morte, insiste em se articular na fala. Neste sentido, o masoquismo é correlato à pulsão de morte.
Sendo a satisfação pulsional o "apaziguamento ou a supressão do estado de excitação na fonte da tensão", como entender sua relação com a consideração freudiana de que "uma boca não pode se beijar a si mesma" (Freud, 1974[1914a], p. 100)? Uma boca beijando-se a si mesma faz coincidir a fonte da pulsão com o ponto de partida do significante. Esta coalescência é signo de mortificação do corpo vivo e desejante. Neste contexto, vamos considerar a noção do Um lacaniano que, incidindo sobre a carne, ao mesmo tempo em que a mortifica, negativiza-a e exclui o gozo mortificador do corpo. Correlato à fonte de excitação, o Um nada mais é do que a fonte originária de gozo.
Partindo de "Psicologia das massas e análise do eu", Lacan redefine a noção freudiana de traço unário, como "a forma mais simples de marca, origem do significante, lugar onde o gozo, esse húmus do humano, é apalavrado, 'aparelhado'" (1992[ 1969/70], p. 48). Falar em gozo implica, portanto, que ele esteja ligado à própria ação do significante sobre o corpo. Logo, o gozo se torna correlativo "à forma primeira da entrada em ação da marca, do traço unário, que é a marca para a morte" (Ibid., p. 169). Excluído, ele pode ser recuperado pela estrutura da linguagem, que o encadeia nas demandas que se repetem e retornam para que o gozo possa ser incorporado metaforicamente, a fim de permitir ao corpo "fazer-se verbo".
Apoiado na teoria lacaniana, Pierre Bruno, em Satisfação e gozo, destaca que a finalidade da pulsão, que é sua satisfação, se dá no próprio circuito pulsional: movimento da demanda e de retorno do gozo ao corpo. Trata-se da tentativa de retorno do Um ao corpo para fazê-lo, ao mesmo tempo, gozar e "falar". Este processo é da ordem de um impossível, porque o Um é signo de uma suspensão simbólica, denotada pelo "não", e que faz passar o gozo ao inconsciente e à contabilidade, segundo os últimos avanços de Lacan, em Radiopho-me(1970).
Em "A terceira" (1988[1977], p. 105), texto do final de seu ensino, Lacan concebe a noção de "gozo do Outro" como o que está fora do simbólico, entre o corpo destacado de suas "tripas" e o real, impossível de ser dito, mas passível de ser reinventado. O gozo do Outro somente pode ser abordado, portanto, em termos de existência lógica, visto que o "Outro que goza" não existe. Esta é, aliás, uma fantasia do perverso masoquista que pretende encontrar seu gozo fazendo o Outro gozar.
O Um é, assim, o que põe em marcha o lugar de causa de gozo para tornar-se, depois, aparelhagem da linguagem, enlaçando a aparelhagem do gozo ao desejo. E neste sentido de enlace que o Um que divide tem relação com o "falo", significante do gozo.
Partindo da duplicidade de função do significante, dividir e, também, amarrar, Bruno destaca que o Um não tem valor de falo em estado isolado, mas a partir da estrutura, ou seja, é o falo que tem a função de evitar que a amarração da aparelhagem de gozo se desfaça. Ele chama a atenção, ainda em Satisfação e gozo, que:
... se a libido se retira do objeto, a presença do falo é a condição para que a retração da libido não chegue a dissolver a imagem especular do sujeito [...]. Partindo do objeto e da divisão do ser pelo gozo no traço, o falo não permite que a imagem do sujeito se dissolva por ser o canal por onde inicialmente a libido flui em direção ao objeto [...] Podemos então considerar que o falo é esse significante que condiciona o que Freud chamou de libido narcísica. (s/d, p. 60)
Esta é uma outra vertente que permite abordar o masoquismo em termos tanto simbólico-estruturais como imaginários. Na vertente estrutural, o masoquismo é correlato ao traço Um que divide o sujeito e o mortifica, correlato ao traço unário onde se repete o gozo que presentifica a morte e o silêncio pulsional. Na imaginária, corresponde à encenação da estrutura que o perverso masoquista dramatiza, para levar o gozo ao corpo libidinal e nele se reconhecer, nele encontrar seu ser de gozo.
A lógica da vida permite a um corpo se reproduzir, transformando o gozo pulsional, gozo sem palavras, efeito do gozo do Outro, em gozo fálico. Este processo ocorre quando o real, forma impossível de ser falada, é abordado pelas metáforas do vazio instaurado pela parte destacada do corpo. Esta parte destacada do corpo é relativa ao objeto a e ao significante Um, que falta para o gozo. A partir do suporte destes furos abertos no corpo, o falo poderá repercutir como desejo sexual e exercer seus efeitos nos significados e nas demandas, conferindo ao corpo sua característica de corpo humano.
Neste sentido, é também Bruno quem esclarece, em Satisfação e gozo, a diferença entre o falo e o Um: o falo é correlato a "esse significante que condiciona o que Freud chamou de libido narcísica. É a libido narcísica que faz com que o corpo seja outra coisa que o envelope de um cartão que pode cair a qualquer momento". O traço simbólico do Um, ou melhor dizendo, "menos-Um", já que é relativo ao gozo em perda, ao gozo renunciado, também correlato ao significante que falta para designá-lo, faz retorno ao corpo e permanece no traço distintivo que torna o gozo o que há de mais singular em um sujeito.
A disjunção entre gozo do Outro - gozo fora do simbólico e da linguagem - e gozo fálico - gozo mediado pelas palavras - provoca, por vezes, mal-entendidos em seu "deciframento". Isto porque se trata, fundamentalmente, da determinação de uma cifra ou traço de gozo inscrito no real pulsional que permite a série de equívocos amplamente observáveis no âmbito da sexualidade. O suporte e o traço simbólico da diferença e da impossibilidade da relação sexual inscrevem-se, no significante fálico, como menos-Um no universo simbólico, mas que visa ser significado no gozo sexual. Dito de outra forma: no real, o gozo se reduz à letra, língua morta nomeada por Lacan de alíngua, somente passível de ser articulada pela apresentação, na linguagem, devido ao suporte no objeto a do significante da diferença sexual, o falo. Desta forma, podemos avançar da concepção lacaniana de falo imaginário à noção de falo simbólico, como o menos-Um que falta ao Outro para nomear o gozo e conotar a singularidade.
Segundo o que diz Freud em "Problema econômico do masoquismo" e em "Ansiedade e vida instintual", este nome de gozo, o masoquismo, é signo da "expressão do feminino". Estaria Freud referindo o problema econômico do masoquismo ao aspecto pulsional infinito, somente limitado e articulável na dialética Édipo-castração? Sua familiaridade com o masoquismo nos pacientes homens permite-lhe afinar as fantasias encontradas, concluindo-se por um "ato masturbatório ou representando uma satisfação por si próprias" (Freud, 1974[1924a], p. 202), no qual poderíamos verificar o gozo masoquista. O imaginário em jogo nas encenações masoquistas se manifesta no conteúdo de:
... ser amordaçado, amarrado, dolorosamente espancado, açoitado, forçado a uma obediência incondicional, sujado e aviltado. [...] O masoquista deseja ser tratado como uma criança pequena e desamparada [do Outro?]. Estas fantasias, ricamente elaboradas, colocam o indivíduo numa posição caracteristicamente feminina: elas significam ser castrado, ou ser copulado ou dar a luz a um bebê. (Ibid., p. 203)
Esta estratificação freudiana, superpondo o infantil ao feminino, "ser castrado ou ser cegado" deixa um traço negativo nas fantasias ligadas ao gozo masoquista. Freud articula a feminilidade à vida pulsional e ao desenvolvimento de forças masoquistas impostas pela civilização. As tendências masoquistas, posteriormente destacadas nos homens, permitirão uma elucidação sobre a diferença dos sexos. No entanto, ele também aponta a relação dessexualizada com os "primeiros objetos dos impulsos libidinais do Isso, ou seja, os dois genitores" (Ibid., p. 208). Nesta relação dessexualizada, e "cada vez mais desligada" com o Outro, podemos ler uma certa equivalência ao objeto a. Freud equipara a feminilidade a uma posição subjetiva masoquista do sujeito, feminino ou masculino, que visa "destruir sua própria existência real na dessexualização do complexo de Edipo" (Ibid., p. 211), ou seja, a de se colocar na posição de refugo do Outro para, por meio da edificação das fantasias, encontrar sua própria cota de gozo.
Lacan lembra, em O avesso da psicanálise, que Freud "nos abandona" quanto à elaboração sobre a questão do gozo feminino. Desde 1960, em "Diretrizes para um congresso sobre a sexualidade feminina", Lacan tenta fazer avançar a questão, indagando se "a mediação fálica drena tudo o que pode se manifestar de pulsional na mulher" (1998[ 1966], p. 735). No excesso pulsional, Lacan percebe "os efeitos castradores e devoradores, desarticuladores e sideradores da atividade feminina" (Ibid., p. 740) que, pela vertente do masoquismo feminino, não dá conta do que a clínica evidencia. O debate freudia no ativo/passivo é, assim, ultrapassado por Lacan, que o considera metáfora de um gozo exterior ao falo, que se manifesta na violência do pulsional, no gozo "louco" e enigmático.