Seguro e Sadio: Sadomasoquismo Consensual

As queimaduras, extrações de dentes e a fome destacados nos casos prévios estão a um mundo de distância do sadomasoquismo consensual — no entanto com freqüência a lei não consegue fazer uma distinção entre o BDSM — sigla para bondage, domination and sadomasochism, ou seja, amarração, dominação e sadmasoquismo — forçado e o consensual. Do mesmo modo, a psiquiatria classifica o sadomasoquismo como uma parafilia — desejo desviante —, colocando-o ao lado de práticas imorais como a pedofilia. Nesse clima de desconfiança, é compreensível que os sadomasoquistas consensuais prefiram permanecer ocultos, de modo que me vejo em dívida com a respeitada ilustradora erótica Lynn Paula Russell por falar comigo tão livremente sobre sua sexualidade.

Lynn Paula Russell é também conhecida na comunidade BDSM como Paula Meadows, editora e ilustradora da revista de punição corporal adulta Februs e colaboradora de inúmeras publicações associadas. Ela prefere ser chamada de Paula, seu nome do meio.

Paula se interessou por punição por prazer no início nos anos 1980. Ela explica:

"Comecei a apreciar, a partir de minhas próprias experiências pessoais, como o poder do sexo subjaz à maior parte do que fazemos; também percebi que os relacionamentos sexuais quase nunca são construídos com igualdade, mas com dinâmicas de poder que com freqüência são seguidas de modo quase inconsciente.

Minha primeira percepção de minha propensão ao masoquismo surgiu quando li A História de O e, mais tarde, um livro chamado A Tastefor Pain (O gosto pela dor), de Maria Marcus. Ambos os livros chamavam atenção, de formas diferentes, à questão de como mulheres fortes em outras áreas conciliam o fato de que precisam ser dominadas e às vezes experimentar a dor para obterem prazer sexual e liberação. Era esse paradoxo que me intrigava."

Evidente que a entrada de Paula no erotismo do jogo de poder impôs suas dificuldades.

"No início houve confusão. Lembro-me de uma ocasião específica em que meu interesse começou a vir à tona — foi realmente inesperado. Comecei a sentir uma forte impaciência com meu parceiro na época e um desejo de acordá-lo e mandá-lo embora. De repente me ouvi dizendo: 'Gostaria de chicotear você!'. Ele falou para eu seguir em frente. Aquele foi um desses momentos em que saltamos num abismo imaginário... mas não trouxe nenhuma satisfação imediata. Depois de dar-lhe alguns golpes sem muita energia com um cinto, comecei a me sentir mal. Entretanto, quando deixei que me espancasse em retribuição, aquilo foi estimulante, ajudou-me a superar as inibições e pareceu limpar os detritos emocionais. Aquele foi um ponto de virada."

Não obstante, demorou para Paula se acostumar à submissão sexual.

"Quando decide agir a partir de uma fantasia masoquista pela primeira vez, você dá um grande passo — é confrontada pela realidade e aspereza da dor real, e isso é uma coisa boa. Isso a desperta, mostra-lhe o que de fato está fazendo e a afasta das gratificações mais inconscientes do masoquismo emocional. Então, quando repete o tratamento, você fica mais acostumada a ele e passa a desfrutar daquela sensação cálida e do pico de adrenalina que isso proporciona. Porém, a realidade de que você precisa de dor, ou humilhação, ou qualquer outra coisa para alcançar aquele ápice erótico significa que há um problema em alguma parte dentro da psique que procura por resolução. Simplesmente aceitar nosso papel submisso não é a resposta; é tão só reconhecer que há um sintoma que necessita de atenção. Assim, agimos a partir do problema — sem dúvida em segurança e com controle —, na esperança de realização e resolução. Eu o chamo 'problema', mas de certo modo é mais como um grão de areia na ostra, que a ajuda a fazer sua própria pérola individual e única."

Aos poucos Paula foi conhecendo pessoas que pensavam da mesma forma, e resolveu explorar seus limites, chegando a fazer um vídeo adulto no qual era espancada.

"Isso tudo me levou a um novo círculo de amizades. Alguns de meus novos amigos eram abertos a respeito de seus interesses em sadomasoquismo — SM —, e me vi envolvida numa rede de indivíduos que se encontravam com regularidade para desfrutar de um modo muito desinibido. Posso lhe dizer como fiquei surpresa ao descobrir que os interesses que eu tinha explorado experimentalmente, em particular com meu parceiro, pensando que éramos os únicos, eram na verdade partilhados por centenas de outros! Mas de início não imaginei que isso fizesse parte de um cenário universal."

Como muitas mulheres que escolhem experimentar a submissão sexual, Paula é forte, autoconfiante e articulada — o mesmo se dá com homens submissos. Os sadomasoquistas tendem a ser profissionais com posições de mando que optam sobretudo por papéis sexualmente submissos, escolhendo abrir mão de seu poder pela delícia erótica. No entanto, uma porcentagem das mulheres atraídas à submissão sexual tem baixa autoestima.

Como muitos de seus contemporâneos, Paula lutou para encontrar um nome adequado para sua opção sexual.

"Sempre tive problemas em chamar a mim mesma de submissa, porque o rótulo nunca parecia se ajustar. Não podia permitir que eu fosse controlada por outro, e não gostava de cativeiro, por mais que confiasse nas pessoas; mas também não podia começar a controlar outro alguém. Digamos apenas que estava me submetendo à experiência — não à pessoa. Eu brincava de ser submissa porque achava impossível tomar a iniciativa. Gostava de ser estimulada a fazer coisas que normalmente não teria coragem de sugerir. Dessa maneira, não teria que assumir responsabilidade por elas. Ouvi muitos outros tipos submissos dizendo o mesmo. Isso significava que eu tinha uma natureza com forte tendência a ser conduzida, e pessoas buscando uma parceira submissa notariam isso de forma subliminar assim que me conhecessem."

De início ela foi arrastada por uma onda de júbilo erótico.

"Quando é suscetível a pessoas dominantes, você não observa as técnicas que elas usam para conseguir o que querem; você cai sob seu encanto. Quando compreender como os dominantes funcionam, terá dado um grande passo adiante. Então se torna possível procurar esses padrões de comportamento em outras pessoas em sua vida cotidiana e praticar a resistência."

Essa compreensão sem dúvida se insinuou em seus livros eróticos, o primeiro deles sendo The Ilustrative Art ofLynn Paula Russell, que inclui cenas de sua própria vida, ilustrações de A História de O e uma série de desenhos sensuais chamados bodyscapes [paisagens corporais]. Este foi seguido por A Sexual Odyssey, mais concentrado no trabalho ilustrativo de Paula para revistas de punição corporal — CP, sigla para corporal punishment. Depois ela produziu Sexcitement, um manual de sexo com um toque muito mais pessoal, que cobria áreas que costumam ser evitadas por outros manuais, como CP e amarrações, e explorando o jogo dos papéis de submissão e dominação, tendo por objetivo encorajar parceiros a serem honestos um com o outro, construir a confiança e experimentar com segurança. Seus outros títulos incluem Painful Pleasures — uma grande coleção de ilustrações de CP originalmente publicadas em Februs — e The Illustrated Book of Corporal Punishment, tudo publicado por The Erotic Print Society.

Então, qual foi a reação do público em geral a seu trabalho e ao estilo de vida escolhidos? Paula admite que

"Como regra não costumo discutir BDSM com pessoas que não estão no círculo, e assim não chego a ouvir com freqüência as opiniões de gente de fora. A visão da mídia, por exemplo, é de que os entusiastas de SM são pervertidos que partem da crueldade — se são dominantes — e vítimas tristes e patéticas se são submissos. Não consigo evitar sentir que é impossível mudar o ponto de vista daqueles que têm uma opinião predefinida. Aos entusiastas eu aconselho apenas que continuem divulgando livros de mente aberta como este, e usar quaisquer outras oportunidades que surgirem."

Isso dito, ela reconhece que

"A mensagem levará um longo tempo para ser difundida, mas alguns métodos de adquirir autoconhecimento, como esse, devem ser descobertos e desenvolvidos em particular. Trazê-los à superfície e torná-los mais aceitáveis ao público em geral apenas serve para diminuir seu significado, como podemos ver na adoção de idéias baseadas em fetiches como modismos. Eu considero irrelevantes as atitudes negativas de pessoas ignorantes a respeito daquilo que escolhi fazer. Afinal, não é da conta delas. Se desejarem chegar e tentar por si mesmas, ótimo; caso contrário, não há como lhes explicar."

Paula percebeu que há alguns tipos diferentes de sádicos e masoquistas consensuais.

"Há diferentes tipos de submissão. Como disse antes, algumas mulheres são suscetíveis a certas práticas, e, nesse caso, o tipo certo de homem poderá manipulá-las. Essas mulheres costumam sofrer de baixa autoestima. Entretanto, há aquelas que desejam jogar da mesma maneira como alguns homens jogam — exemplo disso é o poderoso diretor administrativo que arranja para ser açoitado por uma falsa diretora de escola —, significando que são caráteres dominadores com uma sexualidade fortemente definida, que desejam experimentar as emoções do papel submisso. Há muitas mordomias para a submissão — estar na parte receptiva de toda atenção é uma delas, e sentir-se livre de qualquer obrigação de tomar decisões é outra. Mulheres desse tipo estão ditando as regras, e não devem ser confundidas com as fracas e sem idéias próprias."

Ela agora alcançou o estágio em que seu próprio interesse físico em BDSM se satisfez.

"No início eu estava preenchendo um desejo oculto de me exibir. Submeti-me a açoitamentos, como "O" do livro, e experimentei essa satisfação. Experimentei sexo grupal. Sei que permiti que me usassem em certas ocasiões, mas isso não importa agora, pois aprendi muito. Mudei a mim mesma para tentar coisas novas e superar tabus. Descobri o que era bom e benéfico e o que não era tão bom. Aprendi quando confiar e quando não confiar. Houve momentos difíceis, coisas que não funcionavam, mas, acima de tudo, foi uma aventura. Claro que eu precisava dessa experiência extra, embora não possa dizer-lhe exatamente por quê. Eu tinha de entrar em contato com algo dentro de mim."

Ela nota que

"Hoje não sinto mais o impulso. Encontrei tudo o que precisava conhecer. Algo aconteceu quando estava por volta dos cinqüenta anos... o desejo de aventuras libidinosas morreu e minha sexualidade pareceu centrar-se de forma diferente. Foi como se ela tivesse se movido dos genitais para o coração. Suponho que, depois que tudo foi dito e feito, tudo o que importa é nossa capacidade de viver e amar em plenitude, e tudo aquilo que nos ajuda com essa finalidade é bom."

Deveria estar claro agora, mesmo para o leitor mais anti-BDSM, que não há nenhuma conexão entre a exploração positiva do sadomasoquismo de Paula e o tipo de sadomasoquismo forçado. Assim sendo, poderia ela passar uma mensagem positiva a qualquer leitor que esteja tentando conciliar a si mesmo com sua sexualidade erótica do jogo de poder?

"Antes de tudo, se você se descobrir fantasiando sobre qualquer tipo de situação de SM, não se preocupe. Para começar, você não é responsável pelo que surge em sua imaginação, as idéias brotam espontaneamente e são uma espécie de ponteiro na direção de algo em você que precisa ser reconhecido. Portanto, jamais fique envergonhada com aquilo sobre o que fantasia. Por outro lado, o que decidir fazer a respeito é outro assunto — isso está sob seu controle. É sempre melhor encontrar alguém simpático para falar sobre essas coisas; assim, não se sentirá tão isolada e sozinha. Nunca é bom ficar remoendo e mantendo tudo só para si — esse é o caminho certo para a obsessão."

Ela continua:

"Haja com consciência e sempre respeite os outros. Existem regras muitos estritas e protocolos a serem seguidos. O cenário de SM não é um vale-tudo onde se pode fazer qualquer coisa. A confiança e a compreensão devem ser construídas, as amizades, cultivadas, antes que qualquer atividade física possa ter lugar. Quando isso acontece, você pode estabelecer um ambiente seguro para se soltar sem temor. Tudo isso soa muito sério — na realidade não é, uma vez que encontrar os amigos certos. Lembro-me de muitos risos e muita diversão, assim como de certos momentos eróticos mais profundos."

 

SADOMASOQUISTAS CRIATIVOS

Os momentos profundamente eróticos de Paula iluminam seu trabalho — mas há nas profissões criativas muitos outros sadomasoquistas consensuais que se sentem menos à vontade com suas fantasias. Com efeito, a criatividade e uma sexualidade exótica com freqüência existem no mesmo indivíduo, assim como o tipo de infância infeliz que tende a criar um sadomasoquista também pode impulsionar um temperamento artístico, decerto porque as crianças humilhadas e surradas sobrevivem criando uma poderosa vida imaginária. As rápidas biografias que se seguem — de um compositor, um crítico, um poeta e um cartunista — são apenas quatro exemplos de artistas respeitados que têm forte interesse por sadismo erótico.

 

PERCY GRAINGER

O falecido compositor Percy Grainger — considerado por muitos um dos melhores pianistas do mundo — era um entusiasta da flagelação. Por ter sido com freqüência chicoteado com severidade pela mãe — em outros aspectos cuidadosa — até a idade de quinze anos, depois dos vinte se tornou um autoflagelador obsessivo. Em suas apresentações pelo mundo todo, Grainger carregava consigo uma seleção de chicotes e costumava bater em si mesmo até sangrar. Seu médico anotou: "Aceitando a si mesmo como era, biológica e sexualmente, ele desarmou, por assim dizer, o estopim de uma bomba dentro de si próprio, que de outra maneira poderia ter reduzido sua personalidade em frangalhos".

Grainger foi afortunado, como ateu convicto que era, por não ter escrúpulos a respeito de masturbação ou sexo não procriativo. Ele escreveu: "O mundo da moderna medicina, das máquinas modernas, da arte moderna, da amoralidade moderna seria o paraíso se apenas pudéssemos acabar com a praga da religião".

Ele também foi feliz por encontrar diversas namoradas, e mais tarde uma esposa, que gostavam de serem açoitadas. Grainger e sua esposa, Ella, inclusive, redigiram juntos um documento que dizia que se um deles morresse durante a flagelação, o chicoteador não deveria ser considerado responsável. (Na realidade, a lei não reconhece tais documentos.) A união dos Grainger durou trinta e dois anos, até a morte dele, em 1961.

 

KENNETH TYNAN

O crítico teatral Kenneth Tynan — filho ilegítimo de uma mãe profundamente religiosa e um pai já casado — era um flagelador confirmado na época em que entrou na Oxford, mas, ao contrário de Percy Grainger, sentia uma grande vergonha de seu sadomasoquismo e tentou sublimá-lo entrando num casamento tradicional. Mais tarde procurou coagir a primeira esposa a submeter-se ao açoite, algo que ela odiou. O casamento se desfez, e mais tarde, em sua biografia, ela afirmou ter apanhado dele.

Tynan tornou a se casar, mas não conseguiu resistir a iniciar um caso sadomasoquista com uma jovem masoquista igualmente ávida. Eles incluíram uma terceira pessoa para observar e participar de seus jogos eróticos de espancamento, e Tynan se sentiu no céu. No entanto, o caso terminou, e quando um amigo lhe perguntou o que sua amante abandonada deveria fazer, ele respondeu: "Lembrar-se".

Tynan mostrava sua melhor forma quando tinha muito trabalho criativo — ele escreveu livros e colunas de jornais e revistas, assim como numerosas resenhas — e ocasionais diversões de SM. Mas na medida em que seu trabalho foi minguando — em grande parte por causa de seus ataques venenosos às pessoas —, ele se tornou mais e mais frenético para viver suas fantasias sexuais, e começou a contratar acompanhantes e massagistas para surrá-lo e submetê-lo ao chicote.

Vítima de enfisema crônico, agravado pelo vício de fumar, morreu no verão de 1980, com cinqüenta e três anos.

 

PHILIP LARKIN

Considerado um dos melhores poetas do pós-guerra da Grã-Bretanha, Larkin cresceu admirando e temendo o pai, que tinha súbitos acessos de raiva — seus colegas descreviam-no como feroz — e mostrava-se cada vez mais irado com sua mulher. Larkin desenvolveu gagueira, e mais tarde diria: "Sempre que saía de casa, minha sensação era de estar entrando numa atmosfera mais fresca, mais limpa, mais sadia e mais agradável". Ninguém ia à casa dos Larkin sem ser convidado, e Philip cresceu com muito pouca convivência com garotas — tinha uma irmã, mas ela era dez anos mais velha, de modo que vivia num mundo diferente do dele.

O adolescente Philip tinha um forte impulso sexual, que se misturava a níveis pouco saudáveis de ridículo e raiva. Ele flertava com a idéia de homossexualismo, no entanto decidiu que de fato desejava ser uma garotinha colegial, papel que Larkin via como um misto de invejável passividade e diversão baseada em jogos.

Na Universidade de Oxford, o jovem poeta escreveu dois romances sadomasoquistas lésbicos, para deleite de si mesmo e de seus amigos: Trouble at Willow Gables e sua seqüência, Michaelmas Term at St Bride's. No primeiro livro, um reitor força uma garotinha de meias pretas a se deitar numa mesa e lhe retira o uniforme para que a diretora a espanque. A garota é açoitada rapidamente, mas de modo desajeitado, até que desmorona no chão. O restante do sadomasoquismo em Willow Gables é latente, com meninas provocando-se umas às outras e amarrando-se apenas por brincadeira.

A seqüência, na qual as meninas estão mais velhas, é ainda mais suave, embora duas das antigas estudantes, agora com dezoito anos, batam uma na outra até que uma desaba no colo da amiga. Uma garota se estende para mostrar suas meias de seda, e outra ainda tem de se despir na frente de um antigo reitor, que admira sem pejo seu corpo nu. Essa mesma menina é ameaçada de uma boa surra por uma mulher mais velha.

Embora ele tentasse sem sucesso encontrar um editor para ambos os romances, o interesse de Larkin pelo sadomasoquismo permaneceu, e em seu poema Administration ele fala de baixar calcinhas de meninas.

Mais maduro, Larkin se enamorou da pornografia, e logo tinha um armário repleto de revistas. Estava diante de uma sex shop certo dia quando o proprietário saiu e perguntou, com discrição: "Trata-se de sujeição, s/r?". Mas o poeta tinha horror da censura da polícia, e comprava apenas revistas pornográficas mais suaves.

É possível que a tensão entre o tipo de sexo que ele desfrutava e o de suas fantasias mais secretas acrescentasse um frisson extra a seus escritos, embora Larkin não tencionasse contar ao mundo sobre seus romances sadomasoquistas, desejando que fossem destruídos após sua morte.

 

ROBERTCRUMB

O celebrado cartunista Robert Crumb — honrado em 2005 com uma exposição na Bonhams, na New Bond Street — é um dos melhores exemplos de confusão sexual pessoal sublimada em arte fascinante.

Crumb e seus irmãos sofreram inúmeras crueldades nas mãos do pai tirano, um contramestre da Marinha britânica*Incapaz de lidar com isso, a mãe se fechou num mundo particular e se viciou em anfetaminas.

Não surpreende que as crianças tenham se desenvolvido como adultos muito perturbados. Charles, irmão de Robert, um artista brilhante que permanecia em casa com a mãe, cometeu suicídio. O outro irmão, Maxon, passou a baixar calcinhas de mulheres em lugares públicos, tornando-se em conseqüência um agressor sexual fichado pela polícia. Ele agora vive num hotel em Skid Row e pratica bizarros rituais religiosos de autopurificação, inclusive dormir numa cama de pregos. E Robert Crumb descreve uma de suas irmãs como "uma lésbica realmente negativa".

O próprio Crumb foi muitíssimo arredio por muitos anos, e admitiu que sentia muita hostilidade, em especial pelas mulheres, em quem gostava de montar como se fossem pôneis. Ele lidou com isso em seus numerosos desenhos, cujos temas incluíram de tudo, desde o incesto ao sexo com animais. Contudo, na medida em que seu sucesso crescia, o mesmo se dava com sua postura sexual, e Crumb passou a ter diversos relacionamentos, chegando até mesmo a um segundo casamento, que durou mais de trinta anos.

Vendo a importância de sua obra como um mecanismo de liberação, Crumb admitiu numa entrevista em 2005 com o jornalista John Preston que "Se não tivesse sido cartunista, eu poderia ter me tornado um assassino psicopata. Ou, talvez, tivesse me suicidado".

 

A lei

Robert Crumb não é o único indivíduo de passado doloroso a se conciliar com sua sexualidade e seguir em frente para levar uma vida gratificante. Numerosos sadomasoquistas consensuais falaram de suas jornadas como um modo de curar feridas da infância.

Mark Ramsden, que editou duas revistas sobre fetiches e escreveu vários romances bem-humorados de sadomasoquismo exótico, disse a esta autora: "Algumas pessoas consideram terapêutico e liberador confrontar traumas da infância num contexto sexual", embora acrescente que "não há dados confiáveis sobre se esses entusiastas de sexo são melhores nos relacionamentos do que qualquer outra pessoa". Mark nota que "explorar o lado escuro com um parceiro empático pode curar algumas feridas profundas e possibilitar o que ele suscita pode ser ilegal e leva a processo, independente do consentimento do submisso.