Como nos mostrou a tragédia, o saber sobre a origem faz com que a vida se detenha em um limite - o gozo -, no qual a articulação da palavra encontra um ponto de basta. O masoquismo se organiza nesta tendência radical, em direção ao estado puro da pulsão de morte que tem, na dimensão de domínio do jogo do Fort-Da, exemplificado por Freud em "Além do princípio do prazer" (1920), a estrutura lógica do ato de fundação do sujeito.
Para a teoria lacaniana, o sujeito emerge na relação de um significante a outro, ao acentuar o domínio de uma situação de desamparo, cuja estrutura é a do ato. Por intermédio do ato, a criança introduz sua relação ao significante, neste caso, um jogo. Podemos dizer de outra forma: realizar o ato é introduzir a dimensão significante. A dimensão essencial do ato de jogar o carretel é a tematização do significante que, ao distinguir a oposição fonemática, pode ser caracterizada por ativa. Sua dimensão essencial não é o lado ativo da motricidade, mas se refere a sua dimensão de ato fundador por carregar, no seu bojo, a satisfação - Befriedigung - relativa a um certo apaziguamento e redução da tensão, efeito da perda do objeto e da falta evocada pelo desamparo do Outro, no caso, a mãe.
A experiência analítica, seguindo a regra fundamental da associação livre, exige o bem-dizer sobre os mitos individuais, de onde se depreendem os impasses subjetivos que irrompem da letra dos sintomas, do real nos atos falhos. Para a psicanálise, é senso comum em sua prática que a passagem ao ato seja seu limite, por ser considerado sinônimo do fracasso do ato analítico. Tendemos a considerar, contudo, que esta é uma questão que se coloca mais na periferia da prática do que em seu cerne. Uma primeira abordagem leva a supor que a regra analítica se sustenta em uma interdição ao ato, por transpor o analisante do ato ao dizer. A obrigação do dizer exigido pela regra fundamental da associação lingüística implica uma interdição a passar ao ato. Concordamos, com Lacan, que o analista não deve recuar diante do ato porque este é, sempre, uma manifestação do ser. Cabe distinguir, portanto, o que é um ato, de onde ele procede e quais suas finalidades na prática analítica. Vemo-nos, então, diante da necessidade de distinguir o acting out, a passagem ao ato e o ato analítico.
Sigamos o desenvolvimento de Soler (2001) em Corrélats e comecemos pelo fim. De um modo geral, o término de uma psicanálise por uma passagem ao ato pode ser abordada de diferentes formas. Deixar de ir ao analista é, por exemplo, uma espécie de passagem ao ato, pois é uma passagem ao ato fora da regra de passar ao dito. No entanto, se acompanharmos o ensino de Lacan, o final de uma análise é a passagem ao Ato, com A maiúsculo. Desta distinção, tiramos algumas conseqüências entre o que implica o processo e as finalidades do mesmo.
O acting out, por sua vez, é uma "exposição em ato que fala", por se tratar de um endereçamento. No caso de um sujeito em análise, trata-se de um endereçamento ao analista, uma demanda de interpretação ou retificação de uma interpretação. Por definição, este tipo de "ato" pode encontrar sua tradução em palavras. No acting out, como destaca Lacan, trata-se da "verdade que diz". Logo, embora seja uma colocação em ato, ele não exclui ser dito, traduzido em palavras. E um ato que diz, via um suporte imaginário, ou seja, pela vertente da colocação em cena. O que é "agido" se oferece a um deciframento do Outro, ao qual ele faz signo. Ele simplesmente precisa de um decifrador convocado, em posição de réplica, à seqüência em que ele se situa e da qual procede, durante o processo de análise. Em outras palavras, o acting out é o suporte da palavra, ele fala em ação, sobre uma cena, para um Outro que lá está e ao qual se endereça.
E mais difícil passar o fio da navalha entre o Ato, que condamos com maiúscula por estar relativo à passagem do analisante ao analista por efeito do ato analítico, e a passagem ao ato. Tomemos alguns exemplos de passagem ao ato: a agressão, a violação e o suicídio, este último Lacan aborda como o único ato bem-sucedido. Destacamos que, em todos, a barreira da interdição é aberta e franqueada. Em alguns destes exemplos, trata-se do interdito de dispor da vida o que, rompendo um laço social, evidencia uma transgressão. A passagem ao ato satisfaz aos caprichos da razão. Pode revelar transgressões de um limite, ao implicar auto-agressão ou violência a um semelhante.
No entanto, nem todo franqueamento de um limite é uma transgressão a um interdito. Há casos em que o desejo assumido se realiza em lugar de permanecer em estado de aspiração insatisfeita. Nesta direção, podemos afirmar que o ato é uma espécie de "performance" do desejo, mais um franqueamento de conquista do que de transgressão. Encontramos em Lacan, "A lógica da fantasia" (1966/67), uma explicitação que vai neste sentido e que define o ato como aquele que "quer dizer", ou seja, quer dizer o desejo.
Qualquer ato tem o desejo como significado, embora não seja articulado na primeira pessoa, no eu. Com efeito, o que o ato quer dizer significa também o que ele não diz. E o acting out que diz, como ao Ato é uma solução a um impossível de dizer, por revelar, a posteriori, um desejo inédito em um sujeito modificado pelo ato.
A concepção inicial de Lacan, desenvolvida em A direção do tratamento (1958) e em Função e campo da fala e da linguagem (1953), supõe um possível reconhecimento do desejo na palavra, precisando que "o desejo é articulado, mas a partir de um inarticulável". Sob esta perspectiva, não haveria desejo sem palavra. Com efeito, o desejo tem, na palavra, sua causa primeira. O desejo é efeito da palavra, falta-a-ser engendrada pela fala. E na fala que o desejo encontra seu sítio, embora inarticulável por ser engendrado no intervalo entre significantes.
O ato analítico é a solução deste impossível, comandado pela recorrência da articulação significante e em cujo intervalo se produz a letra de gozo. O desejo, que não se realiza senão em meias palavras e em meias verdades, afirma-se em ato. O Ato, em seu sentido positivo, é separador por natureza. O Ato deflagra que a barreira por ele ultrapassada não é a do interdito, mas a do impossível, ou seja, a própria barreira do simbólico erigida no real. Concluímos que o Ato franqueia a tela do simbólico em direção ao real, à medida que o real tem valor de representação à afirmação do desejo. Podemos dizer, de outra forma, que, no Ato, trata-se do real elevado ao semblante por ser efeito e também causa da descontinuidade significante. O Ato é expressão de uma ruptura no meio-dizer do simbólico que, ao mesmo tempo, o captura no real. O ato é, assim, determinante para que se possa dizer que há um analista. Um analista procede do ato.