Para abordar a distinção introduzida pela psicanálise entre a perversão masoquista, como entidade nosográfica, e o masoquismo em relação ao gozo infinito, faremos um breve percurso pelos clássicos da psiquiatria, desde suas origens.
O termo masoquismo nos chega do campo médico-legal, da Psychopathia Sexualis, de Krafft-Ebing, que imortalizou Sacher-Masoch como inventor desta perversão. Em 1886, em seu compêndio Psychopathia sexualis, Krafft-Ebing utiliza o termo masoquismo, extraído de Sacher-Masoch, para caracterizar a busca de prazer na dor e no sofrimento aos quais recorre um sujeito instalado na posição de vítima sofredora. Sacher-Masoch oferece-nos, em "A Vênus das peles" (Deleuze, 1983), a imagem paradigmática desta perversão. O autor preconiza um tipo de posição subjetiva de escravidão assumida pelo homem em relação à mulher. Ele a descreve através da fala de Severino, o principal personagem: "encontro uma estranha atração na dor, e nada pode atiçar minha paixão mais que a tirania, a crueldade e, sobretudo, a infidelidade de uma bela mulher. Que delícia estar em escravidão!" (p. 201).
O personagem Severino inventa uma estratégia masoquista para alcançar o que não está ao alcance de nenhum humano. Ele edifica suas encenações para estabelecer uma relação ali onde não é possível encontrá-la: entre o gozo e a morte. Para tanto, ele oferece seu corpo como instrumento, "fetiche obscuro" (Lacan, "A angústia", lição de 8/5/1963, inédito), para preencher o vazio do amor com um imaginário fantasístico, em que pudesse encontrar o absoluto da união sexual. Se este absoluto vai, em nosso estudo, ser encarnado na figura da Mulher e no gozo absoluto da morte, como todo perverso masoquista, Severino somente pode se aproximar deles pela façanha de erigir sua Vênus sob a camuflagem das peles. Embora Severino se faça de grande senhor, ele desempenha, na verdade, o papel de submetido a um poder enigmático das "penas do mundo", que encontra detrás da dama.
Enfatizando a natureza congênita e degenerativa em indivíduos semelhantes, que "sofriam com prazer" experiências comparáveis às do personagem Severino, Krafft-Ebing observa a aparição precoce - desde os primitivos períodos da infância - de fenômenos de caráter nitidamente sexuais, até então considerados períodos de neutralidade sexual por outros autores. Escreve em seu compêndio de Medicina Legal: "entre a detenção de desenvolvimento e as enfermidades mentais, existe uma zona intermediária de perturbações na atividade psíquica eminentemente variável segundo os indivíduos" (1889, p. 201).
Estes indivíduos se separam da normalidade desde o ponto de vista do desenvolvimento e das qualidades dos elementos psíquicos, estando suas funções "mais elevadas" parcialmente atrofiadas ou degeneradas no sentido perverso, além de apresentarem desvios nas condutas sexuais, manifestando-se como monstruosidades. Seriam, conseqüentemente, degenerados por designarem a maneira de ser anômala do "instinto sexual natural enquadrado na reprodução da espécie. Esses desvios da sexualidade normal se incluem "desde o ponto de vista psíquico, sob o nome de degeneração psíquica" (Ibid., p. 56). Tendo observado que não se pode reduzir o masoquismo à finalidade de buscar a dor, Krafft-Ebing reconhece nos "degenerados" as mesmas manifestações psíquicas anômalas da vida sexual, o mesmo tipo de perversão descrita por Sacher-Masoch no personagem Severino. Para Krafft-Ebing, "... os estados de degeneração se aproximam às detenções do desenvolvimento psíquico que se unem a formas mórbidas", descrevendo-as da seguinte forma:
Não existe a noção de natureza, do valor e dos deveres e do sentido da vida individual. Enquanto o mecanismo de pensamento está intacto, o que preside a formação de argumentos morais e sociais de ordem mais elevado de juízo, [...], é incompleto ou falta. Assim, impõe-se com vigor patológico o perigo de sucumbir a tentações imorais e criminosas freqüentemente perversas. (Ibid., p. 57)
O perverso está dominado pelas pulsões, termo utilizado também por Moll. Na tese de Krafft-Ebing, o perverso é um indivíduo que não pode dominar suas pulsões. Em seu projeto unificante, ele destaca um único instinto sexual, embora classificado sistematicamente em seus diversos desvios - voyeurismo, exibicionismo, masoquismo e sadismo. Seu esforço classificatório, fundado na idéia de uma pulsão sexual única, de instinto sexual, é subvertido por Freud, ao sublinhar que há uma impossibilidade de representação única da pulsão sexual, que se desmembra, inverte-se e se dispersa, o que supõe, antecipadamente, a perda de objeto que torna a pulsão sempre parcial.
Em Freud, não há tendência sexual unificada. Embora não acrescente a pulsão escópica ou a invocativa, ou seja, o olhar e a voz - como destaca Lacan, em relação aos objetos de desejo, Freud aborda inicialmente a pulsão como o que se endereça à busca de satisfação no objeto oral, anal e nos pares de opostos voyeurismo-exibicionismo, masoquismo-sadismo. Se, no início, Freud deriva as perversões das diferentes pulsões parciais, por fim ele as formaliza na cena fantasmática do "Homem dos lobos" (1919), quando estabelece a organização sexual e pulsional infantil a partir do Édipo. Isto coloca em cena a estrutura da escolha de objeto, a oralidade, e uma modalidade de gozo, no caso, passividade diante do pai. Nesta cena, o sujei-to é aprisionado pelo vazio do olhar que o olha. Neste momento de "quase" desvanecimento, o sujeito é um olhar que o olha, é puro gozo escópico.
Nascido em Meinheim, em 1840, aluno dos autores clássicos da psiquiatria, Friedrich, em Heidelberg, e Griesinger, em Zurich, Krafft-Ebing descreve exaustivamente, em seu volume Psychopathia sexualis, os distúrbios da vida sexual. Devido ao empreendimento de reedição, em 1923, pelo prosseguidor de suas pesquisas, professor e perito nos tribunais alemães, Albert Moll, sua obra, cujo prefácio se deveu a Pierre Janet, permaneceu por longo tempo influindo na psiquiatria da época. Esse eminente psiquiatra berlinense, juntamente com Krafft-Ebing, demonstrou a relação entre as perversões sexuais e a degenerescência, incluindo-as nos quadros nosológicos das neuropsicoses. Para ambos, "a vida sexual constitui um fator considerável na existência individual e social [...] Em suma, toda a ética e, talvez, uma boa parte da estética e da religião adquirem sua origem no desenvolvimento das condutas sexuais" (Krafft-Ebing, 1999[ 1950], p. 10).
Para esses autores, as faltas éticas seriam devidas a uma degenerescência hereditária, exigente de concessão, pela qual uma satisfação simbólica cedia às necessidades perversas. Esses autores estavam profundamente interessados em caracterizar os atos e as práticas perversas apenas em sua fenomenologia, sem buscar as causas, já que estas eram consideradas inatas. A perversão era estudada em sua modalidade autônoma em relação às causas psíquicas, ou seja, era vista como uma anormalidade revelando-se no crime e nas aberrações sexuais.
Para Krafft-Ebing, Moll e outros, o simbólico, inscrito no campo do fantasístico e das encenações imaginárias, exigia a satisfação de necessidades perversas. Em sua tese, haveria um instinto inato nos degenerados, conduzindo-os a atos impulsivos e perversos referidos a "disposições passionais do caráter, a idiossincrasias, a representações impulsivas, freqüentemente incompreensíveis tanto para o espectador como para o autor" (Krafft-Ebing, 1889, p. 67). Raramente, o ato aparentemente desprovido de sentido para seu autor, adquire uma significação simbólica, segundo Krafft-Ebing.
Esses psiquiatras descrevem como perversa toda ativação do instinto sexual que não correspondesse à intenção da natureza, isto é, à reprodução. "Se a ação não se harmoniza com a conformação das partes genitais, percebe-se então uma discordância que deixa transparecer o caso, não apenas como anormal, mas, sobretudo, como patológico" (Ibid., p. 12). Para Janet, os atos sexuais, que somente deveriam servir à procriação, são considerados patológicos e perversos:
Quando o ato sexual, executado de uma forma qualquer, se tornava excessivo e perigoso para o indivíduo ou para outros membros da sociedade ou quando se achava, conseqüentemente, em oposição às leis sociais, ou ainda, quando a impulsão ao ato, considerado excitante, se tomava excessivamente intensa, excessivamente exclusiva, determinando desequilíbrios nas forças psicológicas e tendentes a produzir sofrimentos e desordens mentais. (Ibid., p. 13)
Krafft-Ebing foi um dos primeiros, senão o primeiro, a mostrar a ligação do sadismo e do masoquismo com a voluptuosidade e a crueldade, que podemos inferir como formas de gozo. Esse autor deriva a palavra sadismo do "nome do denegrido Marquês de Sade, cujos romances obscenos estão cheios de voluptuosidade e de crueldade", recursos utilizados pelo sádico no sentido de anular a vontade do parceiro (Krafft-Ebing, 1999[1950], p. 178). Tendo Sacher-
Masoch "freqüentemente descrito a ligação da voluptuosidade com a submissão à crueldade". Krafft-Ebing mantém o termo masoquismo porque a dor, algolagnia, nome sugerido por outros autores, não seria o aspecto essencial para caracterizar esses casos patológicos.
Embora apoiado na teoria da degenerescência, o papel das representações masoquistas e da voluptuosidade, correlatas ao gozo, não escapou a Krafft-Ebing, que observou a existência da representação de uma idéia, ou impressão determinante, para as práticas perversas no plano sexual. No entanto, sua noção de representação não teve o alcance dado por Freud à fantasia na recuperação e substituição de um gozo indizível, embora necessário para o processo de subjetivação e decisão da escolha sexual. Sua noção de representação era essencialmente relativa às encenações imaginárias.
Krafft-Ebing relaciona o par de opostos, o sadismo e o masoquismo: no primeiro, o indivíduo visaria infringir dores e empregar a violência; no segundo, o indivíduo tenderia a se submeter às dores e à violência. O masoquista estaria dominado pela representação de ser completamente submetido à vontade de uma pessoa de outro sexo que o trataria como um mestre, humilhando-o e maltratando-o. Tanto no sadismo como no masoquismo, em suas representações acentuadas de voluptuosidade e gozo, proliferam imagens que o indivíduo se esforça por realizar, freqüentemente por se encontrar impotente e insensível para uma vida sexual comum.
No sadismo, "... a impotência não repousa no horror pelo outro sexo, mas apenas em uma outra satisfação mais adequada ao instinto perverso. Esse processo também se aplica ao masoquismo" (Ibid., p. 183, grifo nosso). Para Krafft-Ebing,
... o sadismo designa o fato de experimentar uma sensação de prazer sexual, até o orgasmo, a partir de humilhações, castigos e crueldades de toda espécie, exercidas em um outro indivíduo humano ou mesmo em um animal. Assim, utiliza-se do instinto para provocar essas sensações de prazer por ações adequadas ao seu fim. (Ibid.)
Ele insere o masoquismo dentre as múltiplas manifestações clínicas destes estados de "impulsão sexual":
Inverso ao sadismo, o masoquismo repousa na reunião de aspectos sexuais voluptuosos com a representação de tormentos infligidos pelo objeto de prazer e uma submissão sem limites a este objeto. Os atos perversos - flagelação passiva - correspondentes a esta forma de perversão podem ser de grande inocência ou terem um caráter especialmente odioso.
Pierre Janet, autor do prefácio do compêndio Psychopathia sexualis, afirma: "... a concordância entre o tempo do primeiro ensaio sexual e uma impressão completamente heterogênea à esperada pode determinar, como disse Binet, a forma particular do desejo". Eles tateiam uma lei determinante de um exagero de excitação que se torna, ela própria, um fim em si mesma.
As circunstâncias nas quais havia se produzido a primeira excitação eram decorrentes do caráter anterior do indivíduo e de suas disposições inatas, na busca de excitação e de ativação das tendências, principalmente diante do sexo oposto. Embora possamos observar que Janet aborda diferentes tempos do "trauma sexual", este não era considerado inerente ao humano, na subjetivação dos sexos. Janet, Krafft-Ebing e Moll tecem suas considerações sobre os efeitos do primeiro momento traumático apoiando-se, apenas, nos "exageros de excitação", mas sem considerar que, no trauma, está a origem da fantasia e, conseqüentemente, da subjetivação sexual.
Determinantes da função reprodutora e das ações para o desempenho do ato sexual, algumas tendências, reagrupadas por Moll em torno de condutas relativas à conquista das mulheres ou dos homens, visavam a vitória sobre os rivais, a corte amorosa, envolvendo idéias de representação da fecundação e da família, citando apenas alguns exemplos. Tais mecanismos foram considerados por esses autores da psiquiatria como o efeito dos "impulsos direcionados à busca de excitação".
Para esses autores, as variedades de impulsos e atos sexuais eram devidos à busca de excitação, definidos pela conjunção entre instinto sexual e sensibilidade amorosa. Os sentimentos de conquista e de vitória tornam-se elementos conjugados ao instinto sexual, desenvolvidos e instigados pelo desejo de impor ao parceiro sofrimentos físicos e humilhações morais. No masoquismo, o instinto sexual seria fortificado pela representação de submissão do parceiro sexual. O estudo de tal servidão mostraria a influência irresistível exercida por certas mulheres sobre homens de "nervos fracos". Os trabalhos de Albert Moll reúnem no instinto sexual duas tendências, a tendência à detumescência e à contração erétil, ambas necessárias para compreender as diversas alterações do instinto. Interessante notar como o termo detumescência será retomado por Freud e Lacan ao se deterem na noção de castração, em relação à detumescência fálica, signo da castração no homem, ambas imprescindíveis ao ato sexual: "no encontro entre os sexos, o falo vale pela sua detumescência" (Lacan, "A angústia", inédito).
Considerando essas aberrações inatas, Krafft-Ebing destaca a relação entre o masoquismo e seu contrário, o sadismo, e não hesita em considerar o masoquismo, em seu conjunto, um aumento patológico de elementos psíquicos femininos, correlativos a um reforço mórbido de certos traços da "alma" da mulher, expressa na submissão ao parceiro sexual. O autor considera a subordinação da mulher ao masculino um fenômeno quase natural. Ele a justifica pelo papel passivo da mulher na reprodução, cuja representação, vinda de longo tempo, estaria ligada à essência do "sentimento" feminino no acasalamento.
No entanto, Krafft-Ebing afirma não encontrar muitos casos de atos masoquistas entre as mulheres (1999[1950], p. 350), pelas seguintes razões: porque a vida sexual das mulheres, inicialmente, desenvolve-se predominantemente na "alma", não precisando de excitações exteriores, como é o fetiche necessário para os homens. Para ele, de um modo geral, os atos sádicos exercidos pelas mulheres corresponderiam aos desejos masoquistas do homem. Por fim, Krafft-Ebing conclui que "a relação normal entre homem e mulher, criada pelas leis e pelos costumes, longe de ser 'paritária', encarrega-se de manter, de um modo geral, a dependência da mulher" (Ibid., p. 368).
Krafft-Ebing sublinha os elementos femininos no masoquismo dos homens servis, evocados na frase popular: "estar de joelhos por minha mulher". Ele descreve amplamente o masoquismo nos homens. São numerosos os exemplos de servidão do homem às prostitutas, às quais eles se dobram e se submetem em paixão ardente. De um modo geral, para o homem, o amor é apenas um episódio, enquanto, para a mulher, seria o principal interesse até o nascimento do primeiro filho. Segundo esse autor, para uma mulher o homem representa "todo" o sexo. Portanto, para ela, a importância deste homem é desmesurada, e apenas em relação a este homem em particular o masoquismo de uma mulher encontra sua expressão. Neste caso, a servidão sexual não seria de todo mórbida. Para Krafft-Ebing, o amor e a fraqueza de vontade amorosa não podem ser considerados completamente perversos, exceto se a proporção da força recíproca, propiciadora do resultado anormal, for contrária ao próprio interesse, aos costumes e às leis da sociedade. A servidão não poderia ser considerada patológica quando aparece apenas através do amor.
Entre os autores clássicos da psiquiatria, verificamos que a perpetuidade da espécie não é deixada ao acaso, nem ao capricho dos homens, mas exige, imperiosamente, satisfação: "Além da busca de um gozo de sentido e um bem-estar físico, o masoquista busca também uma outra satisfação mais elevada, por exemplo, o amor... no qual o instinto não permite tornar o indivíduo um escravo sem vontade própria" (Krafft-Ebing, 1999[1950], p. 21).
O móvel para os atos e resignações, da parte submetida à tirania, pode se tornar atrativo aos indivíduos, no amor. Os atos nos quais o masoquismo, essencialmente perverso e mórbido, encontra expressão não são, para a parte submetida, meios para alcançar os fins, como tão bem exemplifica a servidão amorosa. São considerados propriamente perversos quando os atos são um fim em si mesmo. No masoquismo dito perverso, o desejo ardente de se submeter domina toda a tendência em relação a um objeto determinado. No masoquismo perverso propriamente dito, haveria um gozo fixado na submissão. A partir desta distinção, Krafft-Ebing destaca que é possível a existência do masoquismo paralelamente a uma vida sexual normal, dependendo da gradação do ato, ligado à preparação ao coito ou, no caso, de uma perversão já instalada, que substitui a este.
Ele esclarece: "... os impulsos à submissão completa podem adquirir um caráter místico e surgirem combinados com impulsos sexuais determinantes de um masoquismo místico" (1889, p. 14). Krafft-Ebing e Moll comparam o masoquismo místico com aquele presente no tempo dos menestréis, sobretudo com o do amor cortês e com o dos trovadores. E interessante ver esses autores comentarem que os místicos e os trovadores não são nem tão românticos nem tão castrados. Freqüentemente, o cavaleiro se aprazia em servir o mais e melhor possível a sua bem-amada. No entanto, para esses autores, a maneira de fazê-lo não poderia ser identificada ao masoquismo propriamente dito, porque o serviço à dama seria apenas um meio para atingir um fim. o de ser no futuro "docemente recompensado" (Krafft-Ebing, 1999[1950], p. 182).
Krafft-Ebing associa as perversões (masoquismo e sadismo) ao fetichismo. Para ele, a ereção masculina necessita do objeto do desejo, o fetiche. Portanto, esse objeto a conservar, por ser determinante na vida sexual, pode despertar tendências destrutivas e sádicas, substituindo a satisfação sexual pelo domínio impessoal do fetiche. Neste caso de fixidez do objeto, o ato sádico se torna equivalente ao encon-tro sexual impossível que é substituído por um objeto predominante e sem vida, o fetiche. Krafft-Ebing destaca que a emergência do fetiche, "... retira quase completamente os elementos pessoais na sexualidade" (Ibid.. p. 261). Esse mecanismo mostra como uma situação qualquer, penosa ou dolorosa, pode despertar a excitação sexual pelo fetiche.
O fetichismo, para esses autores, surgiu nas remotas reações sexuais do homem às influências da civilização. Por exemplo, o odor da fêmea, que primitivamente exercia forte influência no despertar do desejo masculino, perdeu sua importância com a civilização. O homem civilizado viu-se impelido a descobrir outros signos excitantes, diferentes daqueles que moviam o homem primitivo em direção à fêmea. Em tais circunstâncias, um acontecimento "reproduzido em uma representação" poderia intervir, dando uma outra direção ao instinto. O masoquismo aqui encontra seu sentido, por estar referido a um dos destinos da excitação sexual, em que o próprio sujeito se torna e se faz representar no fetiche de um desejo obscuro, transformado em capricho amoroso, como exemplifica Severino diante de Vanda, a "Vênus das peles".