Definitivamente, Freud afirma no masoquismo erógeno - prazer no sofrimento - a coalescência de Eros e da pulsão de morte, constituindo-se a base dos outros dois masoquismos - o feminino, amplamente trabalhado em "Bate-se em uma criança", e o moral. Este último, o masoquismo moral, "embora afrouxado em relação à se-xualidade" (1974[ 1924], p. 206), mostra sua origem no sofrimento decretado por alguém amado ao qual o verdadeiro masoquista sempre oferece a face onde quer que tenha oportunidade de receber um golpe. "Podemos traduzir a expressão 'sentimento inconsciente de culpa' como significando uma 'necessidade de punição' às mãos de um poder paterno. Sabemos que o desejo, tão freqüente em fantasias de ser espancado pelo pai, se situa muito próximo do outro desejo, o de ter uma relação sexual passiva (feminina) com ele, e constitui apenas uma deformação regressiva deste último" (Ibid., p. 211), tornando-se o masoquismo moral uma prova da existência da fusão das pulsões.
Retomando a coalescência pulsional, Freud continua:
Após sua parte principal ter sido transposta para fora, para os objetos, dentro resta como um resíduo seu o masoquismo erógeno propriamente dito que, por um lado, se tornou componente da libido e, por outro, ainda tem o eu como seu objeto. Este masoquismo seria assim prova e remanescente da fase de desenvolvimento em que a coalescência (tão importante para a vida) entre a pulsão de morte e Eros se efetuou. (Ibid., p. 205)
A frase lacaniana, Isso não pensa, isso goza, é a expressão de um traço de descontinuidade que, no pensamento inconsciente, traduz o imperativo do gozo em coalescência com o simbólico. O Isso, em Freud, não é puramente pulsional, nele estando também inscritos os traços simbólicos, que Freud concebe no pensamento inconsciente. O masoquismo exerce sua função de delimitar uma região no corpo, onde insiste e eclode a exigência de satisfação, que ameaça mergulhar o sujeito no campo do além do princípio do prazer. Por denotar a ausência de objeto, o que abre uma brecha no corpo sexuado, o gozo masoquista especifica, então, um limite que subverte a ordenação do princípio do prazer com suas provas de realidade.
O complexo de Édipo se inscreve em uma função normativa, não apenas na estrutura moral do sujeito, ou em suas relações com a realidade, mas, também, quanto a assunção do sexo. Segundo Freud, no eu se desenvolve uma instância capaz de se isolar como resto e entrar em conflito com ele, tornando-se crítica. Nela, está a origem da identificação com um objeto que foi renunciado ou perdido e que a emergência da pulsão desnuda no supereu. O supereu insidiosamente denuncia esta perda estrutural provocando o sentimento de culpa, mais tarde nomeado por Freud de "necessidade de punição". Que necessidade será esta senão aquela decorrente da insistência pulsional em encontrar sua satisfação em algo irremediavelmente perdido, mas que, no entanto, insiste em denunciar que ali há um gozo ignorado pelo princípio da realidade?
O eu divide-se, agora, em duas partes, uma das quais vocifera contra a outra. O sentimento de culpa é o signo de um gozo insidioso, cujas exigências se endereçam ao eu. Freudianamente, podemos dizer que as exigências impostas ao eu são herdeiras do narcisismo original, no qual se conjugam imagem e gozo. Elas são um índice do gozo do qual o eu infantil em seu auto-erotismo teria desfrutado. Um resto, signo de um gozo excluído, relega o sujeito tragicamente, nas palavras freudianas, a uma "necessidade de punição". Ou seja, é esse resto, cicatriz da dialética Édipo-castração, que provoca a repetição dos pontos inacessíveis da tragédia humana do gozo.
O supereu, por um lado, retém as características essenciais das pessoas introjetadas e, por outro, em sua exigência de severidade, em sua inclinação a punir e supervisar, reflete "o imperativo categórico de Kant sendo, assim, o herdeiro direto do complexo de Édipo". Freud ainda acrescenta:
Pouco há que dizer contra o escritor holandês Multatuli, quando substitui as Moiras [Destino] dos gregos pelo par divino Razão e Necessidade, mas todos os que transferem a orientação do mundo para a Providência, Deus, ou Deus e a Natureza, despertam a suspeita de que ainda consideram esses poderes supremos e remotos uma dupla parental, num sentido mitológico, e se acreditam vinculados a eles por laços libidinais. Em "O eu e o isso" [p. 75] fiz uma tentativa de derivar o temor realista que a humanidade tem da morte, também da mesma visão parental da sorte. Parece muito difícil libertar-se dela. (1974[1924). p. 209-10)
Ao extrairmos, das citações de Freud sobre o masoquismo e as figuras do destino em relação ao diabólico, às Moiras e a Deus, também podemos relacioná-las ao desconhecimento inerente à pulsão de morte, aos aspectos regressivos que ela convoca na repetição. Isto foi metaforizado por Freud no retorno do homem aos braços da mulher, em sua mudez e inexorabilidade, e aos da mãe-terra que o recolhem na morte. Podemos entender a aproximação feita por Freud entre a mulher, a morte e Deus. Estas "inexistências" referidas à ausência apenas denotadas pelo traço simbólico que apreende um conjunto vazio, uma ex-sistência correlata ao real. Embora conjunto vazio, como todo conjunto, faz Um quando irrompe a exigência gozosa em ser dita pelo sexual.
Lacan aproxima o masoquismo moral freudiano à linha de limite e passagem de uma borda pulsional:
Como desejo, o masoquista se sente escorado naquilo que como tal o consagra e o valoriza, ao mesmo tempo, o profana. Há sempre, na fantasia masoquista, uma faceta degradante e profanadora, que indica ao mesmo tempo a dimensão de reconhecimento e o modo de relação proibido do sujeito com o sujeito paterno. É isso que constitui o fundo da parte desconhecida da fantasia. (1999[ 1957/58], p. 255)
Neste sentido, toda fantasia é masoquista por colocar o sujeito em relação ao que Lacan nomeia de gozo do Outro, e, como dissemos, torna equivalente em R.S.Í (lição de 14/1/1975, inédito), à realidade psíquica que não é outra senão o Édipo. Ou seja, o que escapa sob a forma de uma insistência pulsional no campo da ex-sistência real, o sujeito somente tem no Outro uma certa possibilidade de fazer o gozo consistir. No Seminário XVI, Lacan diz: "Se podemos falar de um certo masoquismo moral, este só pode estar fundado no ponto de incidência da voz do Outro na orelha do sujeito" ("De um Outro a outro", lição de 12/3/69, inédito).