Muitas vezes quando me deparo com questionamentos, dúvidas e posicionamentos nesse intrigante meio BDSM, percebo também contradições, pessoas definindo como o outro deve agir, como devem ser as regras, etecetera e tal. Alguns dizem que submissos “podem isso”, outros que Dominadores “podem aquilo”, outros que “no meu quintal mando Eu”. Sempre o mesmo mantra, cada qual puxando a sardinha para sua brasa.
Curiosamente o que aproxima um grupo num primeiro momento são as semelhanças, mas que com o passar do tempo e com a convivência descobrem-se as diferenças e os radicalismos. Um movimento se forma para encontrar seus pares e fugir da segregação social, mas depois de formado, começa a criar mecanismos próprios para expurgar seus desafetos.
Estou falando de algo que é reconhecidamente uma sub-cultura, um estilo de vida, que tem seus conceitos e abstrações, mas não regras, um comportamento coletivo de certa forma padronizado, mas longe da aceitação de normas e que convive muito mal com etiquetas e hierarquias entre seus semelhantes. Padece como qualquer outro circulo social da vaidade de alguns e a suposta liderança de outros. O BDSM no sentido coletivo não é uma propriedade para que indivíduos queiram administrar de acordo com sua visão. Faço aqui uma analogia a um time de futebol, ninguém é obrigado a concordar com o técnico do clube para torcer. É um sentimento individual.
Por que isso se dá? Creio que pelo fato de estarmos falando sobre diversas vertentes e principalmente porque essa atividade é algo que na maior parte das vezes se vive a dois. É uma fantasia que se realiza quando encontramos a parceira ideal. O complicador surge quando se tenta passar a receita.
“Pessoas são diferentes, com necessidades e fantasias diferentes”. Não existe o arquétipo ideal, é uma relação construída sobre a fantasia de ambos que em um dado momento converge ou assemelha-se com o coletivo.
Um sádico, por exemplo, fará de tudo para sabotar o prazer de quem está consigo, mas, se esse alguém for masoquista, por mais que aos olhos de quem está de fora esse comportamento possa parecer errado, insensível ou inaceitável, por mais que a criatura envolvida queixe-se, no fundo, é exatamente essa a sua expectativa, é aí que se completam as metades. Mas e se uma das engrenagens não estiver vivendo isso com a mesma intensidade do parceiro? E se o grau, a entrega ou o rótulo que se queira dar a isso não for o adequado? A pressa em estabelecer um relacionamento não permite um conhecimento maior sobre o outro. Coleiras trocam de lugar num dinamismo fantástico. Atualmente quando alguém passa alguns meses com seu par é motivo de comemoração. Em minha opinião, muitas pessoas desencantam-se do BDSM mais por erros na escolha de parceiros do que pelo conceito desse universo.
Quando uma submissa vem a público dizendo que não aceita isso ou aquilo e que com ela as coisas se dão num outro nível, que leitura fazemos disso? Podemos vê-la como uma submissa ou uma manipuladora escolhendo comportamentos? Pode ser que ela queira viver esse papel apenas num determinado momento ou talvez pense que seja de fato submissa, sem jamais ter sido. Ela está errada por pensar assim ou está errado quem a aceita assim? Quem está desrespeitando quem?
Um Dominador que aceita regras ou contratos com um sem número de cláusulas, pode ser visto como um Dominador? Ou estará ele sendo um coadjuvante dos prazeres e do script de quem supostamente deveria lhe servir?
Seguramente não haverá consenso nessas questões, isso é conceitual e a resposta vai depender de uma série de variáveis (carências, inseguranças, interesses, vaidades ou exibicionismos), mas o que deve ser priorizado é a discussão em si, afinal, o objetivo de um grupo de discussão é a colocação de pontos de vista antagônicos para reforçar ou rever posições, induzir o novo a refletir sobre posturas e condutas, gerar amadurecimentos, mostrar que nem tudo são rosas e que muitos espinhos as vezes doem mais do que deveriam.
O desrespeito ao ponto de vista alheio é o principal motivo para muitos evitarem opinar, acabam virando vidraça, seja de forma aberta ou velada. Basta olhar a quantidade massiva de membros silenciosos das comunidades, será que essa gente toda não tem nada a dizer ou não quer se expor a uma situação desconfortável? Será que não é o momento dos moderadores terem uma postura diferenciada com aquelas frases capciosas do tipo “só um idiota para pensar assim”, ou outras equivalentes?
Enquanto houver intolerância com os pontos de vista diferentes, teremos listas cada vez mais esvaziadas e com assuntos inexpressivos, aqueles que não geram polêmicas, mas que também nada acrescentam.