As relações sadomasoquistas são bastante complexas devido à diversidade de fantasias, padrões psicológicos e socioculturais. É muito comum vermos radicalismos pela defesa de posições politicamente corretas sobre o SSC (São Seguro e Consensual), a Safeword (palavra de segurança) e outros comportamentos tão comumente defendidos por quem habita esse universo, sejam comunidades ou grupos fechados. A grande maioria vive um relacionamento fetichista, litúrgico, cheio de rituais e regras adaptadas ao prazer comum.
A Safeword é um mecanismo sugerido para coibir abusos, um sinalizador para cenas BDSMistas que permite uma segurança na entrega de quem se submete. Claro que nisso tudo existem outras questões como confiança e respeito que caminham paralelamente. De nada vale um acordo se no momento de risco em que a palavra for evocada o detentor do comando simplesmente ignorá-la.
A Safeword tem sua nobre função e é indispensável na grande maioria dos relacionamentos, mas eu a questiono em outro tipo de relação, uma relação singular que caminha meio à margem dessa corrente. Não generalizo, falo de relacionamentos que vivi e vivo; apenas creio que como eu, outros compartilham dessa mesma forma de pensar.
Sou contra a palavra de segurança, nunca a usei em minhas relações. Sou sádico e meu relacionamento se dá normalmente com uma masoquista, que é meu contraponto. O motivo para não usá-la é a dinâmica presente no comportamento delas. Existe um pequeno grupo composto por essas raras e preciosas criaturas que tem um limite altíssimo, muito acima da média ou até mesmo da razão, e por conta desse comportamento, não vejo de que forma uma palavra de segurança possa garantir segurança para quem a vê como um troféu, um desafio, uma competição na qual ela é usada como demonstração de força, resistência e conquista de poder. Algo do tipo: morro, mas não vergo. Sou mais forte e vou humilhar quem me castiga. Ou então com uma dessas pérolas; vai bater até cansar...
Existe uma confusão enorme quando se fala em comportamentos masoquistas. É preciso considerar os níveis de resistência de cada indivíduo para se compreender essa diferença, eu cito como exemplo aquelas que têm um perfil perigoso para quem não conhece esse lado psicológico; a atitude manipuladora e competitiva aliada à sua alta capacidade física de suportar uma ação violenta. Masoquistas (refiro-me a um seleto grupo) não são necessariamente submissas, se submetem a um DONO apenas, testam seu poder indefinidamente. Essa disputa passa a ser a mola propulsora gerando comportamentos insolentes e muitas vezes irreverentes, mas sempre de cunho provocativo, instigando reações. É um desafio constante, uma provocação recorrente que via de regra, finda a relação quando a masoquista percebe que obteve o poder através desses jogos de manipulação. Surge a quebra do encantamento e da dependência.
Para meus relacionamentos aboli essa palavra. Eu determino onde começa e acaba uma cena. Não permito que isso vire uma competição de resistência do braço do DONO contra o corpo da escrava. Isso tem que ser prazeroso e intenso no aspecto emocional. Não pode ser vivido como um jogo de ultra violência, uma maratona de espancamento. Numa relação assim a Safeword seguramente trará aborrecimentos.
Somente abolir a palavra não é a solução, é preciso que existam laços afetivos entre os envolvidos para que a percepção seja aguçada. Quem comanda tem obrigação de conhecer o outro, suas reações, suas emoções, saber fazer uma leitura corporal do que se passa com o corpo e a mente do objeto do prazer. É preciso convívio e intimidade para que essa leitura se dê de maneira clara e dentro de um grau de segurança aceitável que substitua a Safeword numa relação tão única.
É necessário ter em mente que somos seres humanos falíveis e também cometemos erros de avaliação. Tudo isso tem que ser considerado e ponderado, o bom senso tem de estar presente em tempo integral com o condutor da cena. A responsabilidade e os riscos são maiores, portanto, o cuidado tem que ser proporcional. Se ontem a escrava agüentou horas de spanking, não significa que hoje será igual. A experiência mostra que as cenas nunca se repetem, sempre lidamos com novos desafios e com imprevistos também. Pessoas têm seus dias bons e ruins.
Não faço uma apologia à ausência da Safeword e tampouco me refiro ao SSC (SÃO SEGURO E CONSENSUAL) ou RACK (Risco assumido consensualmente para práticas não convencionais). Falo de casos específicos como o meu, de exceções que são usadas muitas vezes como exemplos equivocados pelos que não aceitam ou não entendem o motivo desse comportamento. Classificar essa prática como irresponsável sem ter conhecimento de causa é no mínimo uma atitude leviana e infeliz. É preciso que não se confunda essa linha de conduta com aqueles que apenas querem a ausência de limites. São questões bem diferentes e ao invés de uma dicotomia, aqui vejo sempre uma fusão por ignorância de quem critica.
Enquanto se questiona tanto a discriminação que BDSMistas sofrem no universo baunilha, fica um tanto estranho ver essa mesma atitude preconceituosa ditando o que é o certo ou o errado dentro de um relacionamento. Entendo que se deva esclarecer que é perfeitamente aceitável que A ou B não queiram uma relação se a mesma não satisfizer os seus anseios e desejos, isso é um direito sagrado ao prazer. Mas quando esses componentes estão presentes e essa química se dá, essa relação pertence somente a quem dela participa. Dogmas, ritos e liturgias devem apenas nortear um caminho. Segui-lo ou não, é opção dos envolvidos. Somente eles podem ser responsáveis pelos riscos e prazeres encontrados nessa decisão. Infelizmente muitos não entendem que o BDSM não tem regras e sim conceitos. E conceito é algo muito subjetivo.
Meu ponto de vista é baseado na minha experiência e de forma alguma deve ser visto como padrão de comportamento entre um sádico e uma masoquista. Essa receita funciona comigo, é o que entendo como ponto de equilíbrio na tensão existente dentro da minha relação.
Relacionamentos são pessoais, tem suas sutilezas e individualidades, devem ser lapidados de maneira a se obter o maior prazer possível entre os pares. Eu não acredito em soluções prontas, adapto-as às minhas necessidades.
Cada qual sabe o que é melhor para si, meu compromisso é com meu prazer e a integridade de quem está ao meu lado, vejo aqui nessa opção o melhor caminho para a segurança da minha relação.