Observando daqui tantas discussões sobre as tais diferenças entre masoquistas e submissas, resolvi escrever como vejo isso, sob o ponto de vista de um mero observador.

Masoquistas más e submissas masoquistasQuando foi cunhado o termo médico "masoquismo", baseado na literatura de Masoch, especificamente na obra "VÊNUS DAS PELES", usou-se o exemplo de uma personagem cujo prazer era derivado da dor. Esse termo usado até os dias de hoje classifica um tipo de comportamento de forma generalizada.

Os tempos mudaram e os relacionamentos também, hoje temos a possibilidade de viver socialmente um mundo sadomasoquista (onde sadismo e masoquismo são substituídos por uma forma erotizada de prazer denominada sadomasoquismo) em comunidades BDSM.

Tanto as pessoas quanto os prazeres se multiplicaram, vertentes de todas as formas estão aflorando e peculiaridades que antes não eram tão importantes começam a soar como notas dissonantes. Falo especificamente da natureza masoquista, que dentro de um grupo social começa a permitir tipos de classificação diferentes, pois falamos de fantasias e comportamentos que dependem de seus pares para se consumar e não havendo uma leitura correta, muitos relacionamentos não frutificarão por não haver entendimento da dinâmica e necessidade do outro.

Para ficar mais claro, vejamos o que diz o dicionário Aurélio sobre masoquismo:
 

[Do fr. Masochisme < antr. (Leopold Sacher-) Masoch (1836-1895), romancista austríaco, + fr. -isme (v. -ismo).]
S. m.
1. Perversão sexual em que a pessoa só tem prazer ao ser maltratada física ou moralmente; algolagnia passiva:
2. P. ext. Prazer que se sente com o próprio sofrimento.

E agora a definição do Houaiss:

substantivo masculino
1 Rubrica: psicopatologia.
perversão caracterizada pela obtenção de prazer sexual a partir de sofrimento ou humilhação a que o próprio indivíduo se submete; algolagnia passiva [O termo deriva de cenas descritas em livros de Leopold von Sacher-Masoch.]
2 Derivação: por extensão de sentido.
atitude de uma pessoa que busca o sofrimento, a humilhação, ou que neles se compraz
Obs.: cf. sadismo, sadomasoquismo

Pelas definições acima, dificilmente uma submissa não se encaixará nesses perfis. Fica evidente que a dor física não é necessária para que o individuo seja classificado como masoquista. O sofrimento moral é entendido como tal.

Entretanto, o termo masoquismo para praticantes do BDSM ficou muito abrangente e pouco elucidativo. Ele já não identifica com clareza determinados tipos de comportamentos específicos em nosso meio.

Despretensiosamente, faço eu uma separação de masoquistas baseada em minha experiência e observação no universo sadomasoquista e ao mesmo tempo evitando qualquer rótulo clássico ou jocoso. O propósito é lançar um olhar diferenciado sobre esse comportamento. Como o usual conceito "submissa" e "masoquista" não faz justiça às "submissas", pois elas também são de fato masoquistas e não distingue as atuais "masoquistas" cujo comportamento é dessemelhante, classifico um grupo de "submissas masoquistas" e o outro de "masoquistas más".

Defino como "submissas masoquistas" aquelas cuja submissão é inerente à sua natureza, mas que também encontram prazer na dor ou humilhação. Seja por vontade do DONO ou pelo prazer contido nesse ato. Caracterizam-se pela servidão voluntária, pelo desejo em ver o prazer do Outro realizado.

Existem também aquelas que não são submissas em tempo integral, fora da cena tem uma atitude social/profissional dominante e o que ocorre de fato, é a transferência de poder no momento do desejo. Essa posição de inferioridade momentânea lhes dá prazer, mas não significa que tenham baixa alto-estima, isso é fruto da fantasia, uma opção de submissão, uma submissão consentida.

Muitas vezes, uma "submissa masoquista" não precisa da dor; a submissão, a servidão, o adestramento, a restrição de movimentos, a obediência incondicional, o desejo de ultrapassar limites psicológicos, a humilhação e punição verbalizada são perfeitamente suficientes para a satisfação do desejo de ambos.

Pelas características e expectativas, esse grupo é o que mais se identifica com o relacionamento D/s (Dominação/submissão) que normalmente tem em suas práticas uma carga litúrgica mais intensa.

O outro grupo vejo numa escala menor e defino como "masoquistas más". São masoquistas que não buscam a submissão ou sentem-se atraídas por ela, vivem e buscam o prazer na dor, e não raro, são extremamente competitivas entre si.

Para essas pessoas, a submissão tem de ser imposta numa proporção maior que sua rebeldia. Isso não significa que a agressão direta ou gratuita irá seduzi-las. Não costumam se intimidar com títulos ou hierarquias. O jogo se dá em outro plano e é uma guerra pelo poder, comparável a uma alcatéia, onde só pode haver um lobo Alpha. É um jogo essencialmente psicológico e intenso onde elas precisam reconhecer no oponente a superioridade para que haja o respeito. Não as atraí o jogo D/s (Dominação/submissão) e por conta disso vive-se uma disputa interminável pela obtenção do poder.

Curiosamente, aqui manifesta-se o lado sádico delas, cujo objetivo é reverter o jogo e colocar o Dominante como dominado. A ironia é que a obtenção desse poder não satisfaz, pelo contrário, frustra e reforça seu comportamento recorrente em busca de uma nova vítima. Partem então para sua nova caçada após terem abatido e desmoralizado a sua presa.

Essa conduta predatória faz com que se sintam superiores ao grupo "submissas masoquistas", crêem que pelo fato de serem supostamente indomáveis e por acreditarem que sua capacidade intelectual esta acima daqueles que atravessaram seu caminho, se vêem no topo da hierarquia.

Geralmente encaram acordos ou limites como fraquezas. A submissão para elas a meu ver, só é efetivada de fato, quando é reconhecida uma dominação que siga por outras vias que não as do jogo convencional. Fica perceptível que a submissão ocorre pelo lado emocional, somente com um envolvimento afetivo haverá controle sobre esse comportamento passional.

Isso não as tornará submissas, apenas fará com que tenham uma atitude submissa que deixará de existir no momento em que o poder do outro for posto em xeque.

Dificilmente as "masoquistas más" se darão bem numa relação essencialmente D/s que vai totalmente contra sua natureza, natureza essa que encontra seu correspondente instintivo no sadismo inato percebido no Outro. Essa percepção muitas vezes se dá pela linguagem corporal.

É freqüente vermos "masoquistas más" terem atitudes públicas desafiadoras com Dominadores objetivando constrangê-los ou desqualificá-los. Isso faz parte de sua natureza impulsiva e essa reação é potencializada quando há por parte do outro a equivocada tentativa de submetê-la pela humilhação ou manipulação. "Masoquistas más" costumam partir para o enfrentamento quando percebem algum tipo de fragilidade, artificialidade ou representação na figura dominante.

Isso explica em termos, o motivo de muitas "masoquistas más" não admitirem ser comparadas com "submissas masoquistas". É uma diferença sensível de atitude, mas por absoluta falta de modelos classificatórios no contexto masoquista, vemos esse desconforto de um grupo em relação ao outro, onde essas diferenças são vistas como uma competição ou forma de se ter um status diferenciado no meio.

Essas diferenças não tornam um grupo melhor ou pior, mas havendo essa percepção, os critérios de escolha podem ser mais precisos na formação dos pares minimizando muitos desacertos sobre entendimentos dos papéis de cada um.

Esta minha presunçosa análise superficial focou apenas alguns comportamentos que mais me interessaram após observar muitas questões e discussões sobre como são vistas as diferenças e as mal-entendidas definições do universo BDSMista entre "submissas" e "masoquistas".